Moscas no shitake: infestação rende avanços no conhecimento da biologia

Em fevereiro de 2024, a pesquisadora Mayara Ferreira Mendes, do Museu de Zoologia (MZ) da USP, foi contatada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para identificar qual era o gênero de moscas que havia infestado uma cultura de cogumelos shitake no Paraná. O produtor procurou a Embrapa para se livrar dos animais que haviam destruído a sua plantação. Por sua especialidade, a empresa enviou a amostra para a cientista, que identificou, a partir da anatomia, a existência de diferentes espécies ainda não reconhecidas do seu gênero de estudo. Era o primeiro registro de infestação de Zygothrica do mundo.

A pesquisadora explica que, após identificação, a prioridade imediata era conversar com o produtor para não matar os insetos. Ela informa que a Zygothrica é endêmica – ou seja, está restrita a uma região específica – e que eliminá-la implicaria em reduzir uma porção significativa do gênero e afetar a biodiversidade daquele ecossistema.

“Não é como se elas tivessem invadido um espaço que não é delas. Nós, seres humanos, estamos avançando para um território que não é nosso” – Mayara Ferreira Mendes

A cientista indicou uma rede de malha fina para proteção da cultura e assim, nem os produtores rurais e nem o ecossistema foram prejudicados. Essa técnica já é reconhecida para o controle de Drosophila suzukii, inseto da mesma família que a Zygothrica. Além das conversas com o cultivador, Mayara fez diversos registros fotográficos e de descrição. “Nos ecossistemas, existem interações que a gente nem imagina e que afetam a dinâmica do ambiente. Por isso, sempre que observamos alguma relação nova, é importante fazer um registro de qualidade”, diz a pesquisadora.

A pesquisa faz parte de uma série de artigos publicados este ano. O trabalho May we improve trapping of drosophilid species (Insecta, Diptera)? A review of sampling protocols in Brazilian biomes apresenta uma padronização de técnicas de coleta para comunidades de Drosophilidae, com o objetivo de tornar mais efetivo a captura de determinados grupos de espécies. 

 O segundo artigo, intitulado Living fruits of Psychotria brachyceras Müll. Arg. (Rubiaceae) as the main larval host of Zygothrica orbitalis (Sturtevant, 1916) (Diptera, Drosophilidae), apresenta uma descoberta: frutos de Psychotria brachyceras servem como hospedeiros para larvas de Zygothrica orbitalis (espécie que nunca havia sido encontrada emergindo de recursos).

Em sua área de estudos, Mayara Mendes aponta que não havia muitos especialistas, padronizações de armadilhas, catálogos com fotos e descrições das espécies e decidiu dedicar-se a esse trabalho. “Nós queremos fortalecer as informações sobre esse gênero para que ele possa ser um indicador biológico mais eficiente no futuro”, diz a cientista.