Identidade de gênero; papel de gênero; expressão de gênero. Apesar de serem termos correlacionados, suas definições dentro da temática de estudo de gênero são diferentes. A identidade de gênero diz respeito a uma experiência interna e individual, na qual a percepção de uma identidade dissidente, ou seja, aquela que não está em conformidade com o gênero que lhe foi designado ao nascer, pode ou não estar presente.
Já os termos papel de gênero e expressão de gênero consistem basicamente na manifestação empírica da identidade de gênero. Sendo o primeiro caracterizado pelo comportamento e personalidade da pessoa, e o segundo pela comunicação através da aparência, como roupas, acessórios e cabelo.
O espectro do gênero e sua construção perante a sociedade foi justamente o ponto de partida para a pesquisadora e professora Anne Christine Damásio. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Anne Damásio, que atualmente desenvolve projetos nas áreas de epistemologias feministas, gênero, corporeidade, Filosofia política e demais temas, foi a responsável por materializar a pesquisa, que posteriormente se tornou um livro publicado no início de 2021, intitulado Corporeidades Trans: Uma etnografia da Construção do Gênero por Travestis e Drag Queens.
A obra se apresenta como uma pesquisa sobre travestis e drag queens, tendo como foco as corporeidades como parte da construção narrativa da identidades desses indivíduos, e como estas atravessam e são atravessadas por outros seres sociais, além de enfatizar a etnografia não somente como um instrumento de pesquisa, mas também como uma construção feita através das experiências daquelas entrevistadas e o movimento que estas causam no social.
“Minha preocupação em trabalhar com a questão de gênero e sexualidade começou no mestrado, que era uma pesquisa sobre mulheres lésbicas e os espaços de circulação do público LGBT em Natal. Foi a partir daí que comecei a observar que o número de travestis nas boates era quase inexistente, ainda que tivessem muitas drags”, conta a professora sobre como nasceu a temática da pesquisa. Anne conta ainda que a percepção sobre as travestis veio associada à observação de que qualquer expressão não cisgênera, mas sobretudo aquelas concernentes a pessoas trans, travestis e drags, costumavam ser rechaçadas.
Já a questão da corporeidade partiu da forma como esta era elaborada, desnaturalizando a ordem biológica que foi atribuída ao corpo e mostrando que não há aspectos biológicos ao determinar comportamentos e expressões relacionadas à papel e expressão de gênero. A construção do feminino por corpos que supostamente não abarcariam essa imagem, está mais relacionada com uma construção de identidades sociais de gênero, que acontece de maneira gradual e intencional, do que com percepções essencialistas.
Fonte: UFRN