O percentual de pessoas negras entre membros da magistratura no Brasil subiu de 12%, em 2013, para 21%, em 2020, mostrando o impacto direto da implantação da política de cotas raciais no Poder Judiciário, instituída pela Resolução nº 203/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nesse ritmo, a equivalência de negros na magistratura só será atingida entre os anos de 2056 e 2059. Esse e outros dados constam da pesquisa “Negros e Negras no Poder Judiciário”, estudo inédito realizado pelo Conselho e apresentado nessa terça-feira (14/9).
“É preciso destacar que não basta cumprir regramento em relação à reserva de cotas raciais; mas sim incidir sobre algo maior: a própria discussão sobre diversidade e igualdade racial e a incorporação do tema como matéria a se espraiar nas rotinas administrativas, nos registros funcionais e nas atividades de comunicação e formação”, disse o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux.
De acordo com ele, somente dessa forma será possível superar preconceitos e fazer com que o ambiente laboral do Poder Judiciário seja mais democrático e mais plural do ponto de vista étnico-racial, de experiências de vida, de visões de mundo. “A discriminação racial está diuturnamente presente em mecanismos e estratégias que dificultam a participação da pessoa negra nos espaços de poder. É preciso corrigir esse cenário, promovendo a plena e efetiva igualdade de direitos entre negros e não negros, bem como a ocupação democrática dos espaços de poder político e social”, disse Fux durante a apresentação do estudo.
Leia a íntegra da pesquisa
O ingresso de magistrados e magistradas por ano de posse revela que, nos últimos 20 anos, os percentuais de negros e negras giraram em torno de 6,7%, em 2007, a 21,6% em 2020. “É inegável, portanto, que, desde 2016, um ano após a promulgação da Resolução CNJ n. 203/2015, houve um pico de 21% de posse de pessoas negras na carreira da magistratura, uma leve queda percentual nos três anos seguintes e uma retomada no ano passado (21,6%)”, destaca o documento.
Participação
De acordo com a pesquisa, feita a partir de registros dos tribunais, desde 2015, 115 concursos foram realizados em todos os ramos de Justiça, com a implementação da Resolução CNJ n. 203 em 56 tribunais brasileiros. O levantamento mostra que a principal parcela de juízas e juízes negros estão em início de carreira, como substitutos: 18,1%. Depois, titulares, com 12,3%; e, então, desembargadores ou desembargadoras, 8,8%.
Os homens negros representam 19,7% dos juízes substitutos, que ainda não ascenderam na carreira. Como titulares, eles representam 13,1%. Apesar do percentual de 17% como ministros, o número absoluto já demonstra que não se trata de número expressivo de pessoas.
Quanto às mulheres, de forma semelhante, os maiores percentuais estão entre juízas substitutas (16,3%) e juízas titulares (11,2%). E, ainda que sejam 12,1% de mulheres desembargadoras negras, percentual maior que o de desembargadores negros (7,8%), o número absoluto é menor que no grupo masculino: são 45 desembargadoras e 93 desembargadores.
Presença no serviço público
A pesquisa também englobou outros cargos do Judiciário, como servidores e servidoras, e estagiários e estagiárias. O percentual de negros e negras em cargos efetivos da Justiça é de 31% – pouco mais dos 30% antes de 2013. Maior é o grupo de estudantes negros e negras como estagiários: são 33,9%.
Em relação aos cargos de chefia, a pesquisa mostrou que, somados sexos masculino e feminino, há maior predominância entre as pessoas da cor branca, embora as diferenças percentuais não sejam muito elevadas. Enquanto 29,8% das pessoas que não ocupam cargo de chefia são negras, entre os que são gestores, o percentual se reduz em dois pontos percentuais, 27,8%.
Dos registros de raça/cor e de ano de posse de servidores negros, o menor percentual foi de 25,4%, em 2001, com seu maior pico de 33,5%, em 2006. Desde 2016, os percentuais de posse desses servidores não são menores que 30%.
No dia 30 de setembro, a pesquisa será apresentada em detalhes e debatida no Seminário de Pesquisas Empíricas, que será transmitido, a partir de 17h, via YouTube no canal do CNJ. O estudo foi totalmente elaborado pelo grupo de trabalho criado em 2020 destinado à elaboração de estudos e indicação de soluções com vistas à formulação de políticas judiciárias sobre a igualdade racial no âmbito do Poder Judiciário.
Curso
Durante a apresentação da pesquisa, o ministro Luiz Fux anunciou que o CNJ promoverá, por meio do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário (CEAJud), o curso “Comunicação Social, Judiciário e Diversidade Étnico Racial”, destinado aos profissionais das assessorias de comunicação social dos tribunais. Segundo o ministro, a ideia é capacitar os servidores para que atuem como agentes de propagação da igualdade e da diversidade por meio do letramento racial, visando eliminar o uso de expressões e imagens que traduzam a falsa ideia da superioridade baseada em diferenças raciais.