Estudo do IMD revela que distanciamento social em 2020 salvou 6,8 mil vidas em Natal

Estudo inédito promovido por pesquisadores do Instituto Metrópole Digital (IMD/UFRN) e da Universidade Heriot-Watt, na Escócia, revelou que até 6,8 mil vidas de natalenses foram salvas graças às medidas de prevenção seguidas durante a primeira onda de covid-19. A pesquisa foi publicada nesta sexta-feira, 14, no periódico internacional PLoS Global Public Health.

Fruto de uma parceria internacional que envolveu 16 pesquisadores de diferentes áreas, o estudo analisou os decretos emitidos no início do ano de 2020 e fez uso de um modelo computacional para simular o nível de mortalidade da doença caso esses mecanismos do governo não tivessem sido seguidos pela população de Natal.

O resultado aponta que medidas como fechamento de instituições de ensino e de comércio e redução do transporte público, apesar de desafiadoras, foram responsáveis pelo salvamento de um número sete vezes maior do que o quantitativo de mortes por covid-19 registrados naquele ano – 1.073 ao todo, conforme apurou a Secretaria de Estado de Saúde Pública do RN (SESAP/RN).

Segundo César Rennó-Costa, professor do Núcleo de Bioinformática do IMD e líder da equipe de pesquisadores, o trabalho teve como objetivo dar uma resposta à sociedade sobre o enorme esforço econômico e social aos quais a população foi submetida. “De maneira geral, nosso diagnóstico é que a atuação das instituições públicas naquele momento tão crítico foi positiva e, graças a isso, muitas vidas foram salvas”, disse.

Modelo computacional

Publicada na forma de artigo científico em revista de alcance mundial, a pesquisa foi conduzida por meio de simulações de alta complexidade feitas por um modelo computacional capaz de prever, com o uso de dados demográficos reais, o número de óbitos em decorrência da não adesão a medidas preventivas de isolamento social.

Para isso, o sistema fez uso de uma extensa base de dados públicos sobre a cidade de Natal fornecidos por órgãos da Prefeitura da cidade, do Governo do Estado, do Governo Federal e pela imprensa. “Estudamos diferentes cadeias de transmissão em ambientes como escolas e transportes públicos. A partir daí, criamos um modelo computacional complexo capaz de incorporar todos esses dados e, assim, simular cenários diversos. O resultado é bastante positivo, pois, olhando para trás, todo o esforço nos ajudou a evitar um quadro absolutamente catastrófico”, avalia Rennó-Costa.

A ferramenta computacional desenvolvida pelos pesquisadores também é capaz de avaliar o número de óbitos por contextos específicos. Na UFRN, por exemplo, caso a instituição não tivesse sido fechada para atividades presenciais, teriam sido ocasionados, segundo o sistema, cerca de 44 óbitos.

A professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da UFRN, Luciana Lima, avalia que a gestão da crise sanitária não dependeu apenas do monitoramento de dados epidemiológicos, mas também de informações sociodemográficas e dos índices de adesão da população aos decretos de distanciamento social. “Sistemas de informações resilientes, de boa qualidade e de cobertura abrangente também salvam vidas”, enfatiza ela.

Medidas preventivas

Diferentes medidas preventivas contra covid-19 foram avaliadas pelo estudo e, segundo o pesquisador Paulo Lopes, primeiro autor do trabalho e aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Bioinformática (PPgBioinfo) do IMD, a que mais gerou impacto positivo foi o fechamento das instituições de ensino – cerca de cinco mil vidas poupadas.

“O fechamento do comércio e de instituições religiosas também salvou muitas vidas e, caso tivesse sido mais efetivo, poderia ter salvado ainda mais”, avalia Lopes. O pesquisador também aponta que o fechamento dos transportes públicos provavelmente não teve o impacto esperado.

Além das medidas em si, a pesquisa também avaliou se os decretos foram ou não aplicados em momentos oportunos. “Nossas simulações indicam que os decretos foram levemente precipitados, mas não há dúvida sobre a importância de eles terem sido promulgados”, comenta Leandro de Almeida, pesquisador do Departamento de Física da UFRN que também participou da pesquisa.

Outro ponto avaliado no estudo foi o índice de adesão dos natalenses aos decretos de prevenção epidemiológica emitidos pelas autoridades. Segundo Luciana Lima, apesar de não ter alcançado um alto nível de anuência, conforme apontam os indicadores da pesquisa, foi importante que pelo menos uma parcela da população tenha aderido, o que já conseguiu gerar resultados significativos.

Colaboração internacional

Toda a pesquisa é fruto de uma colaboração internacional firmada entre as instituições de ensino no ano de 2020. O estudo foi financiado pela Heriot-Watt e envolveu pesquisadores de diferentes áreas como Engenharia de Software, Modelagem de Redes Complexas, Computação, Bioinformática, Demografia e Física.

Além de César Rennó-Costa, outros docentes também ajudaram na condução da pesquisa, como Patrícia Vargas e Michael Lones, ambos da Heriot-Watt, e Renan Moioli (IMD/UFRN), professor que já conduziu outros trabalhos junto à instituição escocesa.

Para a execução do software de modelagem, também foi necessária a utilização de mecanismos de alta capacidade computacional – a qual foi promovida pelo Núcleo de Processamento de Alto Desempenho (NPAD) da UFRN e pelo Laboratório de Aprendizagem Robótica (LAR) da UERN.

A criação da ferramenta foi conduzida pela equipe de pesquisadores escoceses e, em nível local, pelo professor Wilfredo Blanco, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Estadual do RN (UERN). Segundo o docente, o sistema de simulações pode ser aplicado em contextos diferentes do da capital potiguar. “Embora os resultados representem um caso de estudo aplicado para a cidade de Natal, o sistema computacional foi modelado genericamente, justamente para facilitar sua configuração e poder replicá-lo em outras cidades”, explica Blanco.