Pesquisas realizadas no Departamento de Engenharia de Alimentos (ZEA) da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP produziram e analisaram alimentos feitos com farinha obtida a partir de larvas de mosca. O intuito dos trabalhos, segundo os especialistas, é buscar fontes alternativas de proteína que sejam sustentáveis e que possam contribuir no combate à fome.
Dois estudos vêm sendo realizados em conjunto, utilizando larvas da mosca-soldado-negra (Hermetia illucens), conhecida em inglês pela sigla BSF, de Black Soldier Fly – espécie que já é usada como fonte de proteína na produção de ração para animais, tanto no Brasil quanto no exterior. Um dos trabalhos integra a pesquisa de doutorado de Vanessa Aparecida Cruz, orientanda da professora Alessandra Lopes de Oliveira, e é direcionado para o estudo da extração do óleo da farinha das larvas da mosca-soldado-negra utilizando métodos sustentáveis e a inclusão da farinha desengordurada em pães, com a colaboração da professora Fernanda Vanin. Já o estudo de Letícia Aline Gonçalves, que desenvolve seu doutorado sob orientação do professor Marco Antonio Trindade, envolve o uso da farinha em salsichas.
As pesquisas nos laboratórios de Tecnologia de Alta Pressão e Produtos Naturais, de Qualidade e Estabilidade de Carnes e Produtos Cárneos e de Processamento de Pães e Massas da FZEA integram um projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordenado por Alessandra Oliveira e que conta com Trindade como pesquisador associado. Estudos realizados no Laboratório de Tecnologia de Alta Pressão e Produtos Naturais testaram um método inovador para extrair óleo da farinha da mosca-soldado-negra, desengordurando-a e tornando-a menos calórica. Sendo uma fonte proteica de baixa caloria, a farinha mostrou-se uma opção para ser testada na produção de pães e salsichas.
Na pesquisa de Vanessa Cruz, a extração do óleo das larvas de mosca-soldado-negra foi feita utilizando-se dióxido de carbono (CO2) em estado supercrítico (sc-CO2, estado atingido a certa temperatura e pressão). O método é sustentável e elimina o uso de hexano – solvente tóxico normalmente usado na extração de óleos, que é não renovável, derivado do petróleo e deixa resíduos no produto. Daí o interesse na alternativa do CO2.
Na extração com o dióxido de carbono, baixa temperatura e pressão elevada garantem o estado supercrítico do CO2, e as propriedades deste solvente colaboram para o aumento da eficiência da extração, não deixando resíduos tóxicos no óleo e na farinha da larva da mosca-soldado-negra. Além desse estudo que otimizou o processo de extração do óleo, o projeto de Vanessa Cruz inclui o uso dessa farinha desengordurada na formulação de pães.
O óleo da larva da mosca-soldado-negra obtido nesse processo pode ser aplicado na indústria de cosméticos, enquanto a farinha apresenta valores nutricionais que chamam a atenção. Além de um alto teor de proteínas quando comparada com vegetais – mais de 30% contra 23,5% do feijão e 26,7% da lentilha – ela também possui melhor digestibilidade do que algumas proteínas vegetais e animais, o que ajuda na saúde intestinal.
De acordo com a professora Alessandra, o manejo e o abate das larvas usadas nos estudos – recebidas de uma empresa que já cria os insetos para ração animal – foram feitos seguindo orientações dos pesquisadores da FZEA, respeitando normas de boas práticas de fabricação e segurança de alimentos. A alimentação dessas larvas vem do reaproveitamento de restos de comida de restaurantes e seu cultivo pode ser realizado em espaços reduzidos, utilizando-se menos água do que para rebanhos tradicionais. “A farinha de inseto é um alimento altamente sustentável, não precisa de grandes espaços, nem de muitos recursos hídricos”, conta Alessandra.
Para o ser humano, entre suas vantagens estariam o alto teor de proteínas, aminoácidos essenciais, lipídios, fibras e melhor digestibilidade quando comparada à proteína animal. Estima-se que, em sua fase larval, a mosca apresente uma porcentagem de proteínas que varia de 40% a 63% e de lipídios que pode chegar a 35%.