Nunca estive tão cansada quanto neste ano. Acordo cansada, passo o dia cansada, vou dormir cansada. O cansaço é tanto, que até atividades que sempre considerei relaxantes, como ir à praia, me parecem cansativas — ficar deitada na cama é mais atrativo do que a função de preparar a bolsa e arrumar tudo quando voltar. Quanto mais reclamo, porém, mais percebo que não sou a única. Uma amiga me contou que se tornou o que ela mais temia: a pessoa que dorme no sofá por não ter energia para ir até a cama. Outra disse sentir que está somente existindo, e tentando descansar entre trabalhar e voltar a trabalhar. Uma terceira parou de se exercitar porque estava muito cansada para isso, mas acabou com menos energia do que antes.
O cansaço vem se tornando tão comum e generalizado que o fenômeno ganhou até nome: a grande exaustão. Em um artigo publicado na revista The New Yorker em dezembro de 2023, o cientista da computação e professor da Universidade de Georgetown Cal Newport sugeriu que, no mundo pós- pandemia, o que começou como a grande renúncia (fenômeno observado a partir de 2021, quando um grande número de trabalhadores passou a pedir demissão) se transformou na grande exaustão. “Alguma coisa ainda está errada e vai além dos desafios usuais da vida no escritório. Todos estão cansados”, escreveu Newport.
Pesquisas recentes sobre burnout, síndrome que tem como uma das dimensões o sentimento de exaustão, apontam um aumento alarmante de casos. Em junho, um levantamento realizado pela consultoria Boston Consulting Group com 11 mil trabalhadores de oito países revelou que 48% desse grupo está sofrendo de burnout. No Brasil, a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) estima que 40% das pessoas economicamente ativas sofram de burnout. E os afastamentos por burnout aumentaram quase 1.000% em uma década, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“Certamente parece que a nossa era é a da exaustão, uma era caracterizada acima de tudo pelo cansaço, pela desilusão e pelo burnout”, escreve a historiadora cultural e especialista em burnout Anna Katharina Schaffner no livro Exhaustion: A History (Exaustão: Uma História, em tradução livre, publicado em 2016 pela Columbia University Press e sem edição no Brasil). Segundo a autora, a exaustão pode ser entendida não só como um estado físico, mental ou espiritual individual, mas como um fenômeno cultural mais amplo. E, em sua obra mais recente, Exhausted: An A–Z for the Weary (Exausto: Um A–Z para os cansados, em tradução livre, publicado em janeiro deste ano pela Profile Books e sem edição no Brasil), Schaffner considera que o burnout é o sentimento que define o mundo pós-pandemia. Mas por que estamos tão cansados? E quais podem ser as consequências de tamanha exaustão?
Mal antigo
Embora seja geralmente considerada uma aflição relacionada à vida moderna, a exaustão é um fenômeno milenar cujo próprio entendimento variou ao longo da história. “A exaustão é um estado que podemos quantificar cientificamente, ou é uma experiência completamente subjetiva? É uma condição mental ou física? É uma experiência individual ou sociocultural? É realmente um problema da modernidade ou outros períodos da história também se consideraram os mais cansados?”, pondera Schaffner em Exhaustion: A History.
Na Grécia Antiga, por exemplo, o poema épico Argonáuticas, de Apolônio de Rodes, sobre a expedição de Jasão e seus companheiros (os argonautas) em busca de um carneiro mitológico com pelagem de ouro, descreve a exaustão como resultante da influência da mente sobre o corpo. Séculos depois, no período romano, o médico Galeno de Pérgamo aprofundou a teoria humoral do grego Hipócrates parasugerir exatamente o oposto: a exaustão seria o resultado de desequilíbrios no corpo, que então afetariam a mente. Na Idade Média, virou sinônimo de uma falha espiritual e moral. No Renascimento, os astros entraram no jogo: Saturno foi associado à exaustão por seus supostos vínculos com a melancolia e sua influência nos estados intelectual e existencial. O planeta era visto como moldador do intelecto por causa de sua posição como o mais alto dos planetas e, se não bem administrado, poderia influenciar as energias humanas e, potencialmente, provocar exaustão.
Na era moderna, a partir principalmente do século 19, o entendimento sobre a exaustão ganhou contornos mais parecidos com os atuais: esse cansaço passou a ser visto como uma reação à urbanização, industrialização e os estresses da vida moderna. Em 1869, o neurologista americano George Beard cunhou o termo neurastenia para descrever um quadro de exaustão física e psicológica que seria o resultado de fatores endógenos e exógenos — uma combinação de predisposição genética para ansiedade, depressão e para o cortisol (hormônio envolvido na resposta ao estresse) com situações que poderiam incluir desde um trabalho frustrante a problemas familiares. Entre os principais sintomas estavam as dores de cabeça e no corpo, fraqueza e dormência, dificuldade de concentração, transtornos do sono (insônia ou excesso de sono) e problemas gastrointestinais. Os tratamentos incluíam mudanças na alimentação, atividade física, repouso e psicoterapia.
Fonte: Revista GALILEU