A Assembleia Legislativa promoveu, através do mandato da deputada Cristiane Dantas (SDD), audiência pública realizada ontem (10), para discutir os impactos, a legalidade e os possíveis prejuízos à sociedade, em virtude da possibilidade de cobrança da água bruta por parte do Governo do Estado. O encontro contou com a presença de autoridades do Poder Público municipal e estadual, além de representantes de entidades públicas e privadas ligadas aos setores afetados com a possível medida, como Agricultura, Pecuária, Carcinicultura e Indústrias da água mineral e da cana de açúcar.
Cristiane Dantas iniciou seu discurso deixando claro que é contra a proposta de iniciativa do governo estadual. “É preciso dar transparência a um assunto que afeta a vida de toda a população. Esse é um dos grandes objetivos desta audiência pública. E por que mais transparência? Porque a proposta de taxação, por meio da minuta de um decreto da governadora Fátima Bezerra, até o momento não foi apresentada para ser discutida com a sociedade, com esta Casa e, especialmente, com os segmentos diretamente afetados pela iniciativa”, enfatizou.
A parlamentar ilustrou a proposta com o exemplo de um produtor rural no município de Serra Negra do Norte. “Esse pequeno produtor, tem 12 hectares de terra e faz cultivo de macaxeira, milho e feijão. Sua plantação é irrigada com poço escavado e instalado com recursos próprios, porque lá a distribuição de água pela Caern não chega. Pois bem, pela minuta do decreto, ele vai ter de pagar pelo uso da água do poço das suas terras. Ou ele paga essa conta ou não vai poder utilizar essa água da qual o Estado vai passar a se apropriar”, recriminou.
Segundo Cristiane, essa mesma situação se aplica à produção agrícola da fruticultura irrigada, do plantio de cana de açúcar, do beneficiamento do couro, das cerâmicas, da mineração e das fontes de água mineral.
“Para as indústrias, que têm a água como insumo essencial, a cobrança da minuta é de $0,45 (quarenta e cinco centavos) por metro cúbico de água. É uma conta pesada, que inviabiliza a agricultura, os produtores e a pequena indústria do nosso Estado”, repudiou a parlamentar.
Ainda de acordo com a deputada, 93% do território do RN é situado no semiárido, e a realidade é a escassez de água. “Vivenciamos isso nos últimos oito anos com diversos municípios em estado de calamidade por falta d’água. Foi o caso de Luiz Gomes, localizado na tromba do elefante. E onde estava o Governo do Estado nessa crise? Qual foi a água ofertada para a população? Esse município foi abastecido por carros-pipa custeados pelo Governo Federal. E agora o Estado vai querer cobrar por uma água de um poço que não escavou nem instalou; por uma água que a Caern não distribui. Isso é um massacre para toda população. Essa é uma medida que vai inviabilizar negócios, a vida do pequeno agricultor e produtor e até a maior indústria”, detalhou.
Finalizando seu discurso, Cristiane Dantas frisou que é preciso trazer luz sobre os impactos, os prejuízos e a legalidade da referida proposta de decreto. “Por enquanto, ela tem sido recusada nas reuniões dos conselhos deliberativos, exatamente pela falta de discussão pública. E, por último, eu quero destacar que, da minha parte, além da iniciativa desta audiência pública, já manifesto que faremos os encaminhamentos legais que forem necessários para combater essa proposta abusiva de taxação do uso da água”, concluiu.
Em seguida, o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Paulo Lopes Varella Neto, fez uma explanação detalhada sobre a situação do abastecimento de água por todo o Estado, enaltecendo o potencial de desenvolvimento do Rio Grande do Norte. Além disso, ele falou sobre o histórico e a legislação envolvendo a cobrança da distribuição da água no Brasil.
“A água se tornou um bem de domínio público a partir da Constituição de 1988, que determinou a criação de uma Política de Recursos Hídricos. Então, foi criada a Lei Nacional das Águas, em 8 de janeiro de 1997. Essa lei explica que a água é dotada de valor econômico e institui que ela deve ser cobrada para dar sustentabilidade financeira e eficiência econômica, incentivando a racionalização”, explicou.
O secretário disse também que a questão do decreto de cobrança da água bruta “não é uma iniciativa do governo, mas de todo um sistema”. “Esta Casa aprovou a própria Lei 6.908, em 1996, e é essa legislação que cria os instrumentos de gestão e cobrança. Nós queremos fazer o decreto mais democrático possível. Estamos indo conversar, setor por setor. Já fomos na Fiern, Fecomércio e muitas outras entidades. Não queremos impor nada. O decreto ainda está em construção e ele vai sair quando a sociedade fechá-lo”, garantiu.
Ainda de acordo com o secretário estadual, a cobrança servirá para que as barragens sejam mais bem conservadas e para que sejam feitos mais investimentos na área produtiva. “Esses recursos irão financiar estudos, projetos, programas de incentivo; irão custear atividades administrativas e obras hídricas, como criação e manutenção de barragens e poços. Nós temos um grande potencial na mão, só precisamos fazer um debate sério. Não passa na nossa cabeça prejudicar nenhuma população mais vulnerável. O Ceará, por exemplo, já cobra desde 1996. A Paraíba já está bem avançada nessa prática também. Pernambuco está começando o processo agora”, argumentou.
Também presente ao evento, o deputado estadual Gustavo Carvalho (PSDB) se posicionou contrário à intenção do Governo do Estado. “Eu serei extremamente técnico aqui, pensando no viés do desenvolvimento, mas também não posso deixar de falar o que está na minha consciência. A água é realmente essencial ao desenvolvimento. Reflitam: o nosso Estado tem um grande potencial, sendo o maior produtor e exportador de sal, um grande produtor de frutas, tem força na carcinicultura. E por que a referência aqui foi a Paraíba? Porque lá tem se buscado ajudar o empreendedor, diferente do que é feito aqui. Nós deveríamos buscar o desenvolvimento de forma justa, taxando os gigantes e esquecendo os pequenos”, iniciou.
Continuando sua fala, o parlamentar pleiteou ao governo estadual que siga o Estatuto das Águas. “Essa legislação se baseia nos pilares de servir a dessedentação humana, animal e a irrigação agrícola. Por que o governo não cuida disso? Ele quer taxar a água salobra como se fosse recurso hídrico. Isso tudo é questão de gerência. Então, eu peço aos assessores e deputados governistas que tentem fazer o Governo do Estado entender que este não é o momento de realizar essa medida, porque o resultado seria a perda de competitividade e inúmeros prejuízos para o RN como um todo”, concluiu.
Na sequência, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do RN (Faern), José Vieira, destacou que, ao longo dos anos, o setor vem diminuindo cada vez mais no Estado. “Há 10 anos, nós tínhamos 87 mil produtores rurais, e hoje esse número é de apenas 63 mil produtores, a grande maioria de moradores. O governo diz que quem produz e quem gera emprego devem ser cobrados. É assim que ele está tratando o setor produtivo. Se a professora Fátima, que é de origem popular, tomar mesmo essa atitude, ela vai ser conhecida como a ‘cobradora da água’. E isso é muito triste, porque em vez de estarmos discutindo desenvolvimento, programas e projetos, estamos aqui apelando para que o setor produtivo não seja mais taxado”, lamentou.
O presidente da Faern criticou as situações e os valores que poderão ser cobrados com a instituição da medida, bem como a falta de atenção ao desperdício da própria Caern.
“A gente vai ser cobrado por água salobra, que não é utilizada. Por água de poço, no período do inverno, em 25%; já no período de seca, esse valor será de 50%. Ou seja, em vez de ajudar, num momento mais difícil, o governo vai atrapalhar. E eu acho engraçado que ninguém discute o desperdício da Caern, que chega a 48%. Isso ninguém discute. O Estado, antes de nos cobrar, precisa primeiro fazer o dever de casa. E a população é que vai pagar a conta. Então, isso tudo nos preocupa bastante”, destacou.
Segundo Hermano Neto, presidente da Associação dos Plantadores de Cana do RN (Asplan), a possível taxação da água irá inviabilizar principalmente as agroindústrias do Estado. “E vale salientar que a irrigação da cana é extremamente sazonal, ou seja, não é feita o ano inteiro. Mas, mesmo assim, iremos pagar por isso. E, para deixar claro, o nosso setor da cana de açúcar não foi procurado em momento nenhum, mesmo sendo talvez o setor que mais gere emprego no Estado”, criticou.
Já a presidente da ONG Navima, Rosimeire Dantas, contou que, no ano passado, a minuta do decreto foi levada para ser discutida com os Comitês de Bacia Hidrográfica e, na ocasião, o seu grupo decidiu por ser contrário à proposta.
“Se a gente for observar, nem todas as bacias estão contempladas com seus respectivos comitês, então começa daí a grande deficiência do Estado, porque nem todos têm representação. Então, como você quer partir para uma cobrança dessa, sem a participação de todos os envolvidos? Por isso, o Comitê do Pitimbu discutiu e chegou à conclusão de que a cobrança, neste momento, é inviável e vai afetar demais o setor produtivo”, opinou.
Por fim, o secretário estadual da Agricultura, da Pecuária e da Pesca, Guilherme Saldanha, disse que o referido assunto começou a se tornar público desde dezembro do ano passado. “Esse tema é muito delicado para o governo estadual, pois quem recomendou a cobrança foram dois órgãos: primeiro, o Tribunal de Contas da União, o qual afirmou que só aprovaria a transposição do São Francisco para quem aplicasse a cobrança de água. E, segundo, da própria ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), através de resolução, sob o mesmo argumento. Então, a cobrança da água é necessária por lei, sob risco de a governadora ser acusada de improbidade”, ressaltou.
Ainda segundo o secretário, a preocupação é, principalmente, discutir com todos os setores interessados. “Isso é extremamente necessário, pois esse tema é muito polêmico, nós sabemos disso. Ele pode causar um impacto, por exemplo, na fruticultura, se ele não for bem conduzido. Nossas grandes empresas podem acabar quebrando ou indo para estados vizinhos. E isso é muito ruim. São vários empregos que são gerados aqui no Estado. Além disso, a medida pode causar impactos enormes na Caern e nas prefeituras. Portanto, nada será feito de maneira impositiva, sem dialogar com todos os setores, devido à importância da questão”, garantiu.
Também estiveram presentes ao debate as deputadas Isolda Dantas (PT) e Divaneide Basílio (PT), além dos deputados Coronel Azevedo (PL), Luiz Eduardo (SDD) e Tomba Farias (PSDB).