Era junho de 2019. Mais um dia de aulas no Laboratório de Comunicação (Labcom) da prestigiada Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), quando o professor Daniel Dantas Lemos decidiu baixar as calças na frente de um grupo de alunas. Para ele, uma brincadeira. Estava indo para a academia de musculação e achou por bem mostrar o short de ginástica que usava naquele momento. Uma das alunas presentes, constrangida com a situação, relatou a cena para a chefe da empresa onde estagiava. Quando soube do ocorrido, a jornalista e empresária Ângela Bezerra disse que ficou horrorizada. “Eu já tinha conhecimento sobre vários assédios cometidos por ele, mas esse foi a gota d’água. Não há justificativa para tal comportamento. Por isso, incentivei minha estagiária a denunciar”, contou, por ligação, à reportagem do Agora RN. Ângela acompanhou a aluna na Ouvidoria da UFRN, e uma sindicância foi aberta no dia 26 de junho. Pouco antes, ela fez um post nas redes sociais sobre o episódio, sem citar nomes. O professor denunciado ligou para Ângela, segundo ela, na tentativa de intimidá-la. “Ele também tentou se justificar. Disse que era apenas uma pessoa divertida e que as alunas não entendiam as brincadeiras”, relembrou. “Na verdade, existe uma relação de poder entre o professor e o aluno. E ele usa esse vínculo para se aproveitar de quem é mais frágil”. Após repercussão na internet e um longo tempo de espera – um ano e sete meses após a denúncia na Ouvidoria –, uma medida foi tomada.
No dia 4 de janeiro deste ano, o professor recebeu uma advertência por parte do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), sob argumento previsto no Inciso IX do Artigo 117 da Lei nº 8.112, que proíbe ao servidor “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”. Para Ângela, a advertência foi insuficiente. “Considero pouco. Porém, a punição é uma decisão inédita e isso merece ser comemorado. Afinal, é uma grande vitória para nós, para as estudantes que passaram por esse constrangimento e foram silenciadas. É um encorajamento para as meninas não se calarem. Com essa advertência, se o professor cometer qualquer outro deslize, ele pode ser exonerado”, pontuou. No entanto, o episódio não foi o primeiro caso de assédio envolvendo o professor. Daniel chegou à UFRN transferido da Universidade Federal do Ceará (UFC) no segundo semestre de 2015.
No ano de 2017, o docente iniciou um relacionamento amoroso com uma de suas alunas e passou a contar detalhes do namoro em sala de aula. A exposição dos detalhes incomodou outros estudantes. Sem se identificar, uma das alunas de Daniel relatou à reportagem alguns fatos da época. “Todo mundo sofria pequenos assédios diários de Daniel. Ele era prepotente com todo mundo, era grosso. E, ao mesmo tempo, ninguém reclamava porque ele conseguia manipular as situações. Em 2017, ele se aproximou de mim e falou sobre as coisas pessoais da vida dele, sobre a relação que estava tendo com uma colega nossa. Ele fazia questão de nos envolver nisso. Ele nos perseguia no estacionamento, nas aulas, nos corredores. Uma vez, eu estava descendo do anexo do Labcom e ele pegou no meu braço para falar algo. Ele contava coisas íntimas e ninguém queria saber. Era intimidador, invasivo”. Depois desse episódio, ela e outros alunos foram até a coordenação do curso para relatar o que estava acontecendo. Eles foram aconselhados a irem à Ouvidoria da UFRN. Cada aluno, de forma individual, fez um documento descrevendo os episódios dentro e fora da sala de aula. “Fui na Ouvidoria duas vezes. Na segunda, reforcei que ele [Daniel] continuou nos perseguindo, além de que cada postagem que eu fazia no Facebook, ele comentava na sala de aula, me expondo. Daniel descobriu e saiu espalhando para todo mundo que eu havia feito a denúncia, com uma postura passiva- -agressiva. A Ouvidoria, portanto, não é um ambiente seguro, já que ele tinha acesso às denúncias que fizemos. E ele nos contava isso, informava detalhes das nossas reclamações. Depois de tudo, fizemos um abaixo-assinado ainda em 2017. A ouvidoria, no entanto, continuava omissa, a coordenação do curso também”, concluiu a jovem. Nas redes sociais, o professor entrou em contato com a aluna dizendo que sabia sobre as “três demandas da Ouvidoria”. Ronaldo Neves era o chefe do Departamento de Comunicação em 2017.
Já Amanda Porfirio, também aluna de Daniel na época, narrou à reportagem outros acontecimentos envolvendo o professor. Segundo Amanda, o docente descobriu que ela estava entre os denunciantes. “E aí começou a perseguição dele comigo e com uma amiga. Eu recebia mensagem dele. Por falha da UFRN, ele descobriu que eu tinha realizado uma denúncia anônima contra ele e a denúncia não ficou tão anônima assim. Ele, então, fez um post meio ameaçador no Facebook. Até que ele me enviou uma mensagem dizendo que sabia que tinha sido eu e que queria falar comigo. Ele me perseguiu por um 3 ou 4 meses sem parar. E o processo administrativo foi fechado, arquivado pela UFRN”, relembrou ela.
Em dezembro de 2019, Daniel deu uma declaração sobre o caso em uma matéria produzida por alunos da disciplina de Jornalismo Investigativo, que ele mesmo ministrava. Na entrevista, ele disse: “‘Quando eu recebi [a representação] descobri que a aluna tinha anexado no arquivo um email por Sigaa [plataforma de gestão de atividades acadêmicas da UFRN] que eu mandei para turma, e nesse email tinha foto e nome dela. Então, eu fui ao Facebook e disse: ‘gente, quando vocês fizerem uma representação contra algum professor que seja anônima, tenham certeza de que vocês apagaram os sinais da sua identidade, porque o pessoal fez uma representação contra mim, mas anexou o email com nome e a foto’. Eu conversei com a aluna quando isso aconteceu e disse que não era uma ameaça, que só estava constatando o que aconteceu quando ela fez a representação”.
Em outubro de 2016, o professor se envolveu em uma polêmica quando publicou uma carta em tom de despedida nas redes sociais e desapareceu – para reaparecer logo em seguida. O caso virou notícia na imprensa local. Ainda no mesmo dia, Daniel foi localizado. No mesmo período, ele respondeu a um processo por violência doméstica. “Em conversas, [Daniel] sempre alegava que era diagnosticado com depressão. Me pergunto então porque ele continua ministrando aulas, se possui tantos problemas psicológicos como ele faz questão de apontar. Estou falando porque não quero que ele continue fazendo isso com as estudantes que ainda virão”, argumentou novamente a aluna que não quis se identificar nesta matéria. Ela explicou ainda que recebeu ligações anônimas após a entrevista e ficou com medo de represálias.
Fonte: Agora RN