Os números recordes de inadimplência no País não perdoaram o setor de varejo que, ao longo de 2022, viu os índices de atrasos de pagamentos subirem em seus serviços de crédito. Nos resultados do quarto trimestre de 2022, é possível identificar alta expressiva no porcentual de parcelas atrasadas há mais de 90 dias, na comparação com o mesmo período de 2021. Em relação ao terceiro trimestre de 2022, porém, houve pouca variação. A sensação é de que a água está parada. O apetite na concessão de crédito varejista está baixo e a renda disponível do brasileiro para pagar as parcelas, também.
Na Guararapes, dona da Riachuelo, a porcentagem de atrasos acima de 90 dias da carteira subiu de 12,2% para 17,4% entre os últimos três meses de 2021 e o mesmo período de 2022. Na Renner, o índice variou de 11,1% para 18,9%. No Carrefour, a alta foi de 10,7% para 13,3%. No Magazine Luiza, os vencidos acima de 90 dias foram 10,2% da carteira em dezembro de 2022, alta de 4,6 pontos porcentuais em relação a dezembro do ano anterior. Já na Via (do na Casas Bahia e do Ponto), onde o indicador subiu menos, a porcentagem foi de 9,5% no quarto trimestre, alta de 0,8 p.p.
Em relação ao terceiro trimestre, porém, houve tendência de estabilidade. “Do terceiro trimestre para o quarto, vemos estabilidade. Isso se deve, principalmente, pelo apetite dos varejistas em conceder crédito, que está de moderado para baixo. É preciso vender e, para vender, é necessário dar crédito, mas o varejo está assustado”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Causas
Eduardo Terra explica que a situação de inadimplência mais alta no setor se dá pela menor renda disponível da população. “O cenário de emprego ainda vem bem. O problema continua sendo a renda. Em 2021, o grande ofensor da renda foi a inflação e, em 2022, isso se repetiu”, diz. Terra explica que, com a renda corroída pelo aumento de preços na economia, o consumidor fica com menos recursos disponíveis para arcar com os financiamentos que assumiu. “Sobra menos dinheiro para pagar as parcelas”, resume.
Somaram-se a esse cenário, no quarto trimestre de 2022, outras incertezas macroeconômicas relacionadas à eleição presidencial e a instabilidades geopolíticas ao redor do mundo. Tudo isso, fez com que as varejistas tivessem receio de ser mais agressivas em conceder crédito. “Devemos ver mais estabilidade pela frente, já que não vejo grande apetite do varejo em abrir mais a torneira de crédito e as tendências de emprego e inflação também se mantém. Água está parada”, afirma Terra.
Um ponto interessante é que o fato do varejo não ter confiança de emitir mais parcelas aos consumidores dificulta a “oxigenação das carteiras”. Caso fosse possível continuar o oferecimento de crédito com mais certeza de pagamento, a carteira total teria um movimento de crescimento e a porcentagem dos atrasos ficaria naturalmente menor, à medida que safras mais saudáveis de clientes chegassem. Em geral, as varejistas dizem que os novos clientes do crediário ou cartão de crédito têm sido mais bem escolhidos e melhores pagadores. No entanto, eles não são tantos, o que faz com que a porcentagem de devedores siga alta.
Ao longo de 2022, varejo viu índices de atrasos de pagamentos subirem em seus serviços de crédito; problema continua sendo a renda corroída pelo aumento de preços na economia.
Ao longo de 2022, varejo viu índices de atrasos de pagamentos subirem em seus serviços de crédito; problema continua sendo a renda corroída pelo aumento de preços na economia. Foto: Marcos Santos/USP Imagens.
O diretor de operações da Gouvêa Ecossystem, Eduardo Yamashita, diz, porém, que as varejistas que enfrentam esses problemas de inadimplência ainda têm, ao menos, o poder de decisão sobre o risco que aceitam correr ao dar crédito aos consumidores. Ele lembra que muitas empresas do setor dependem de parcerias comerciais com bancos para parcelar compras de clientes.
“O setor financeiro está receoso com o varejo em virtude da crise vista na Americanas e de notícias de outras renegociações de dívidas do setor. Agora, com os problemas vistos em bancos americanos, o setor financeiro fica ainda mais cauteloso, com pouca margem de crédito ao consumidor”, diz Yamashita.
As empresas que mantém suas próprias operações de crédito, por sua vez, podem ajustar a concessão de crédito ao risco de inadimplência, de forma que as vendas não sejam tão afetadas. “Nesse caso, é preciso ponderar quanto se pode aumentar de vendas e quanto se pode perder de crédito”, conclui.
Dívidas chegam a R$ 4,6 mil por pessoa
Nunca o brasileiro deveu tanto – e não pagou. Em janeiro deste ano, 70,1 milhões de inadimplentes com bancos, empresas de cartão de crédito, financeiras, lojas e serviços de utilidades pública, como água e luz, acumulavam dívidas em atraso que totalizavam R$ 323,3 bilhões. Tanto em número de inadimplentes (que equivale à população da França) como nas cifras devidas, as marcas são recordes da série iniciada em março de 2016, apontam dados da Serasa que reúne informações do SPC Brasil, os dois maiores birôs de crédito do País.
Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, a lista do calote foi engrossada com 5,3 milhões de inadimplentes, o equivalente à população da Noruega. E a dívida cresceu cerca de 24% (R$ 62,6 bilhões) no período. O valor médio por inadimplente avançou de R$ 4.022 para R$ 4.612.
Juros altos e renda corroída pela inflação elevada foram os gatilhos para o aumento do calote, adormecido no auge da pandemia por conta das postergações da quitação dos atrasos. A escalada no número de inadimplentes começou a partir de setembro de 2021, quando a inflação acumulada em 12 meses atingiu 10,23%.
Foto: Tribuna do Norte