O encarceramento e a violência sofrida pelos jovens negros foi o tema amplamente discutido nesta sexta-feira (3) pela Câmara Municipal de Natal, em audiência pública proposta pela vereadora Divaneide Basílio (PT). O encontro contou com a participação de gestores do Município e do Estado, conselheiros tutelares, defensores públicos, estudantes, moradores de comunidades e uma comitiva de jovens do município de Poço Branco.
Uma lei de autoria da propositora da audiência já foi aprovada pela Câmara criando o Dia Municipal de Luta Contra o Encarceramento da Juventude Negra, a ser comemorado anualmente no dia 20 de junho. “Trouxemos essa lei, dados os números sobre a violência contra a juventude, que precisa estar viva. Para encontrar alternativas que garantam esse direito, estamos aqui, mais uma vez, reforçando essa causa, criando um calendário para que a pauta contra o racismo esteja sempre em debate”, disse Divaneide Basílio.
A trajetória da população negra no país foi um ponto relembrado pelos participantes, que apontaram o racismo estrutural como fator relevante para o encarceramento dos negros. “É necessário quebrar esse sistema. O sistema prisional carrega em sua estrutura os mesmos traumas e padrões da escravidão. Jovens, que muitas vezes não são envolvidos com o crime, estão sendo assassinados pelo fato de serem negros e de comunidades. Então, como viver num sistema que diz para não ir para a criminalidade mas que empurra para isso?”, questionou o representante do Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB), Júlio Lira.
Thiago Augusto, representante do Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência (Obijuv) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), relatou que 75% das pessoas vítimas de mortes violentas são negras e que, entre 2016 e 2017, dos 9.800 presidiários do Rio Grande do Norte, cerca de 6 mil eram negros.
Gestores das Secretarias de Direitos Humanos e Igualdade Racial (Semidh) do Município e o do Estado, apontaram ações para enfrentar a problemática. “Temos iniciativas para trazer e agregar o jovem negro no mercado de trabalho para avançar nessa questão, dialogando com a iniciativa privada, de modo a conscientizar que a oportunidade dada a um jovem em vulnerabilidade reforça essa política de igualdade e de redução da violência”, explicou o diretor de políticas públicas da Semidh de Natal, Sirleno Júnior. “São cerca de três séculos no processo de escravização e 134 anos no processo de viver a suposta liberdade, que não veio seguida de um plano de superação e enfrentamento ao processo de escravização”, relembrou Giselma Omilé, coordenadora estadual de políticas públicas e promoção de igualdade racial d Semidh/RN.
O defensor público do Estado, Rochester Araújo, enfatizou que, antes do encarceramento também ocorre o genocídio dos jovens negros. “Não temos a pena de morte no país, mas há a morte cautelar dos negros, que ocorre antes da acusação. São mortes quase sempre previsíveis e evitáveis pelo Estado. Por isso, espaços como estes servem para redesenhar essa estrutura, pelo menos no sentido de redução de danos. Qual a alternativa que se dá para a juventude negra? De um lado a morte, do outro o encarceramento. O que se vê é que quanto maior a vulnerabilidade social, maior a chance de condenação sem culpabilidade”, concluiu o defensor.