Crescimento dos royalties encobre riscos à produção petrolífera potiguar

Não comete equívoco quem diz que o crescimento da arrecadação de royalties verificado a partir de 2021 coincide com a chegada de novas empresas ao RN, que passaram a operar campos petrolíferos antes pertencentes à PETROBRÁS.

Mas, o que isso quer dizer? O que uma coisa teria a ver com a outra? O aumento da arrecadação resulta da atuação dessas novas empresas? Que percepção esta correlação pode, equivocadamente, alimentar?

Nesta reportagem, a agência Saiba Mais procura esclarecer estas questões. Os royalties são uma espécie de compensação paga pelas empresas produtoras de petróleo e gás, como forma de ressarcir à sociedade pela utilização desses recursos, que não são renováveis.

O tema é importante porque o pagamento de royalties à União, Estados e Municípios impacta direta e indiretamente a população local, afetando a extensão da oferta e a qualidade dos serviços prestados pelos entes públicos.

No noticiário da mídia empresarial norte-rio-grandense, o significativo aumento da arrecadação de royalties de petróleo e gás, verificado nos últimos dois anos, tem sido associado à chegada das autodenominadas “produtoras independentes”. De forma sutil, chega-se a afirmar que “o crescimento da arrecadação (…) verificado a partir de 2021 coincide com a chegada de novas empresas que passaram a operar ativos antes pertencentes à PETROBRÁS”.

A insinuação ganha mais força quando se descobre que, durante esse período, a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) reduziu os valores das alíquotas de royalties devidos pelas “produtoras independentes”. O pagamento de royalties é uma espécie de compensação devida à União, Estados e Municípios, efetuado pelas empresas produtoras, como forma de ressarcir à sociedade pela utilização lucrativa desses recursos, que pertencem à União, e que não são renováveis.

Ao estabelecer-se uma “coincidência” entre aumento da arrecadação proveniente do pagamento de royalties e chegada de empresas que adquiriram áreas anteriormente operadas pela PETROBRÁS no RN, fica-se, então, com a impressão de causa e efeito. De que uma coisa seria decorrente da outra.

Para o coordenador-geral do Sindicato dos Petroleiros e Petroleiras do Rio Grande do Norte, Ivis Corsino, essa maneira de tratar o assunto causa estranheza: “o que mais me surpreende é que alguém se dê ao trabalho de publicar que tal coisa aconteceu ao mesmo tempo em que outra, sem se preocupar em demonstrar vínculos, estabelecer correlações”.

Segundo Corsino, esse tema merece grande atenção e deve ser tratado com muitocuidado: “o pagamento de royalties impacta direta e indiretamente a população, afetando a extensão da oferta e a qualidade dos serviços públicos. Não podemos nos deixar iludir com aparências porque isso pode nos levar à acomodação e nos desarmar diante de situações previsíveis”.

O que impacta o valor dos royalties?

Funcionário da PETROBRÁS, onde trabalha como contabilista, Ivis Corsino explica que o valor dos repasses de royalties pagos à União, Estados e Municípios é condicionado principalmente por três fatores: “a produção, a cotação do dólar e o preço internacional do petróleo”.

“Quando nos defrontamos com uma notícia dando conta de crescimento da arrecadação de royalties, temos que verificar de que forma os resultados alcançados foram influenciados por cada um desses três fatores”, alerta Corsino.

“Cotação do dólar e preço internacional do barril de petróleo são fatores que estão relacionados à conjuntura econômica nacional e internacional. Muitas variáveis ligadas a essas condicionantes escapam ao nosso controle. Já com relação à produção é um pouco diferente”.

“No caso da porção terrestre da Bacia Potiguar, considerada uma área madura, ou seja, que teoricamente já passou pelo pico de produção, o esforço de recuperação, de revitalização da atividade, opõe-se a uma tendência natural de declínio, fruto do esgotamento dos reservatórios”.

Portanto, conclui Ivis Corsino, “é bem provável que o expressivo crescimento da arrecadação de royalties pelo Estado e municípios do RN tenha tido mais relação com variações nos preços internacionais do petróleo e com a cotação do dólar do que com um aumento significativo da produção”.

Trocando em miúdos

De acordo com o raciocínio do dirigente sindical, para que o aumento dos repasses de royalties verificado nos últimos anos pudesse ser explicado pela chegada de novas empresas seria necessário um cenário que combinasse estabilidade de preços do petróleo e da cotação do dólar com uma significativa retomada da produção local.

A primeira área vendida pela PETROBRÁS no RN foi o Polo Riacho da Forquilha. A empresa que a adquiriu, iniciou as operações em dezembro de 2019. Na sequência, veio o Polo Macau, com operações iniciadas em maio de 2020. Desde então, a maioria dos campos petrolíferos anteriormente operados pela estatal passou ao controle das autodenominadas “produtoras independentes”.

Um ano após a chegada dessas empresas, a arrecadação de royalties do Estado e dos municípios norte-rio-grandenses teve um crescimento expressivo. Em 2020, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis – ANP, o repasse foi deR$ 336,4 milhões. Já em 2021, alcançou R$ 513,6 milhões, e, em 2022, chegou a R$ 705,3 milhões.

Isso, mesmo com a redução dos valores das alíquotas de royalties, aprovada em setembro de 2021 pela ANP. Com essa resolução, campos operados por empresas enquadradas como de pequeno porte, titulares de campos com produção diária inferior a um mil boe, passaram a pagar 5%, enquanto que empresas consideradas de médio porte, detentoras de campos com produção inferior a 10 mil boe, tiveram a alíquota reduzida para 7,5%.

Mera coincidência?

Segundo dados da ANP, apurados pela agência Saiba Mais, no período decorrido desde a chegada das novas empresas a produção média diária de petróleo e gás em território potiguar se manteve relativamente estável, com um pequeno declínio. Saiu de 42.356 barris de óleo equivalente por dia (boe/d), em novembro de 2019, para 39.482 boe/d, em novembro de 2022.

Portanto, diferentemente do que se poderia apressadamente imaginar, o crescimento dos repasses de royalties ao Estado e aos municípios não resulta da entrada em cena das “produtoras independentes”, substituindo operações anteriormente realizadas pela PETROBRÁS. Nesse período, resta investigar a variação da cotação do dólar frente ao real e as flutuações do preço internacional do barril de petróleo.

Em novembro de 2019, a moeda estadunidense era cotada a R$ 4,24. Em maio de 2020, alcançou R$ 5,33; em maio de 2021 recuou para R$ 5,22, com pico de R$ 5,63 em novembro; em maio de 2022 caiu momentaneamente para R$ 4,75; e, em novembro, chegou a R$ 5,20

Enquanto isso, o preço do barril de petróleo no mercado internacional saiu de US$ 62,43 em novembro de 2019; caiu para US$ 35,31 em maio de 2020; e a partir daí acumulou altas sucessivas, até atingir US$ 121,67, em maio de 2022, retrocedendo em novembro para US$ 85,43.

Como o cálculo dos royalties devidos pelas empresas é feito a partir do valor, em reais, da produção extraída em cada campo, deduz-se que o preço do barril de petróleo, em maio de 2020, era de R$ 188,30; subiu para R$ 363,46 em maio de 2021; e alcançou R$ 577,93 em maio de 2022; recuando, mais recentemente, em novembro, para R$ 444,23.

Ou seja: no caso do RN, em que a produção total de petróleo e gás registrou um pequeno declínio, os fatores determinantes para o crescimento da arrecadação de royalties pelo Estado e municípios foram a cotação do dólar frente ao real e o preço internacional do barril de petróleo.

E o que tudo isso pode nos dizer?

Na administração pública brasileira, geralmente, crescimento de arrecadação é sempre bem-vindo. No entanto, neste caso específico, o aumento de receitas proveniente do repasse de royalties, pelo modo como se deu, deveria ser fator de preocupação, mais do que de comemoração.

Com produção estabilizada, se a cotação atual do dólar cair para R$ 5,00 e o preço internacional do barril de petróleo recuar até US$ 50, como ficou entre maio e novembro de 2020, será bem possível que os valores futuros de royalties sejam inferiores até mesmo aos repassados em 2018, uma vez que a redução das alíquotas,determinada pela ANP, passou a vigorar a partir de 2021.

Informado sobre as conclusões finais do levantamento realizado pela agência Saiba Mais, o coordenador do SINDIPETRO-RN, Ivis Corsino, declarou que a sociedade potiguar deve “acender o sinal de alerta”. Na opinião de Ivis, “o crescimento da arrecadação de royalties, na forma como se deu, esconde as inadequações de um modelo incapaz de promover o desenvolvimento regional”.

A retomada de um papel protagonista da indústria petrolífera na economia potiguar, segundo Corsino, exige “investimentos de grande porte não só na recuperação da produção, mas também em atividades de exploração”, uma vez que “o potencial de novas descobertas ainda existe em áreas terrestres, com retorno em curto prazo, e, principalmente, na chamada Margem Equatorial (offshore), com retorno em médio e longo prazos, a depender do volume de investimentos”.

No entanto, para o dirigente sindical, a política de desinvestimentos conduzida pelas gestões da PETROBRÁS, entre 2016 e 2022, compromete esses objetivos: “Há caso de empresa (conforme denunciou recentemente a agência Saiba Mais) sem conhecimento técnico ou experiência de atuação no setor que recebeu injeção de capital às pressas, a fim de adquirir áreas ofertadas pela PETROBRÁS”.

“Esse tipo de empresa – conhecida como empresa de papel – está preocupada, em primeiro lugar, em multiplicar os interesses de seus acionistas. A lógica dominante é esgotar as reservas existentes, cortando custos, inclusive com mão de obra; desembolsaro mínimo de investimentos; e operar com isenção fiscal e redução de royalties, em busca do lucro máximo”, conclui Ivis Corsino.