Diálogo entre embriologia e genética promoveu avanços no estudo da evolução

Na primeira metade do século 20, embriologia e genética não andavam juntas nas pesquisas sobre o desenvolvimento e a evolução dos seres vivos. A história de como os cientistas superaram as diferenças teóricas e de método, levando ao surgimento do campo da biologia evolutiva do desenvolvimento (evo-devo) é revelada em pesquisa da USP. O trabalho de Fernanda Arcanjo relata os esforços dos estudiosos em tentar esclarecer o papel dos genes no desenvolvimento antes da descoberta da estrutura do DNA, em 1953. As conclusões do estudo foram apresentadas em tese de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) este ano.

A pesquisa investigou se duas ideias muito presentes no meio científico a respeito da história da genética e da evolução tinham fundamento factual, uma delas envolvendo o geneticista Thomas Hunt Morgan (1866-1945), um dos pioneiros em estudos genéticos, com o uso de moscas. “Supostamente por causa dele, teria se estabelecido uma separação entre o estudo da herança, que seria apenas de domínio da genética, e do desenvolvimento, exclusivo da embriologia”, relata Fernanda Arcanjo. “A outra ideia é de que o estudo da embriologia teria sido excluído da ‘síntese moderna’, um movimento ocorrido principalmente entre as décadas de 1930 e 1940, liderado por evolucionistas e geneticistas, que promoveu a compatibilização entre a genética e os principais aspectos da teoria evolutiva darwiniana.”

De acordo com a pesquisadora, a embriologia experimental e a genética são duas áreas de pesquisa que surgiram independentemente no final do século 19 e início do século 20, ambas com enfoque na experimentação. “Os embriologistas defendiam a importância de se investigar os processos celulares, internos ao organismo, que se davam ao longo do desenvolvimento da vida”, explica. “Eles empreenderam uma série de experimentos com embriões em diferentes estágios do desenvolvimento, mas naquele momento não conseguiram desenvolver uma teoria ampla para fundamentar suas ideias, pois os fenômenos fisiológicos com os quais estavam lidando eram altamente complexos.”

A genética surgiu a partir da redescoberta dos trabalhos de Gregor Mendel (1822-1884) e produziu uma explicação simples e coesa para o fenômeno da transmissão das características hereditárias baseada em experimentos com cruzamentos de plantas e animais, observa Fernanda Arcanjo. “Antes, o estudo da herança e transmissão estava vinculado ao do desenvolvimento, mas era pautado em hipóteses muito especulativas. A genética passou a explicar a transmissão por meio de uma teoria bem fundamentada e de uma metodologia experimental e quantitativa que permitia a previsão de resultados”, relata. “Porém, a teoria mendeliana e, consequentemente, a genética, não conseguia explicar como se dava o desenvolvimento. Assim, se estabeleceu uma separação metodológica entre a genética e a embriologia experimental.”

A pesquisa concluiu que ”não foi Thomas Morgan o ‘culpado’ por tal separação, porque ela estava dada pela própria abordagem mendeliana do problema da herança, ou seja, era intrínseca à ciência da genética”. “Nós mostramos que Morgan, pelo contrário, ao final da sua carreira, se empenhou em produzir uma compatibilização entre genética e embriologia, mas não foi bem-sucedido devido à complexidade e magnitude do empreendimento e às limitações técnicas e teóricas do seu tempo”, explica a pesquisadora.

Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/dialogo-entre-embriologia-e-genetica-promoveu-avancos-no-estudo-da-evolucao/