Mais de um milhão de pessoas são diagnosticadas, anualmente, com sífilis no Brasil, quantidade semelhante aos que testam positivo para HIV/AIDS. Para ofertar a testagem às duas enfermidades, o governo brasileiro gasta cerca de R$ 480 milhões por ano, realizando a importação dos componentes e insumos necessários para a testagem. Essa realidade poderá mudar em breve. Um grupo de pesquisadores do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LAIS/UFRN), desenvolveu o duo teste para sífilis e HIV, que poderá custar até 75% menos do que os testes utilizados atualmente, gerando uma economia de até R$ 360 milhões por ano ao estado brasileiro.
De acordo com o diretor executivo do LAIS, Ricardo Valentim, o duo teste é uma inovação tecnológica importante para melhorar o controle da Sífilis e do HIV/AIDS no Brasil, contribuindo com o fortalecimento do complexo industrial da saúde do país. “Existe agora uma possibilidade real de produção tecnológica nacional que pode inclusive ser exportada para outros países. A tecnologia poderá atuar como um dos motores para o desenvolvimento social e econômico, produzindo empregos no Brasil e fortalecendo a indústria, pilares essenciais para geração de riqueza e equilíbrio da balança comercial brasileira”.
O duo teste, solução digital mais moderna que os atuais testes rápidos disponíveis no mercado, vem sendo desenvolvido desde 2018 pelos pesquisadores brasileiros. Recentemente, foi chancelado por meio do artigo Digital dual test syphilis/HIV detection based on Fourier Descriptors of Cyclic Voltammetry curves, publicado na revista científica Computers in Biology and Medicine, do grupo Elsevier. A mais nova publicação dos pesquisadores brasileiros é a continuidade do trabalho que vem sendo desenvolvido.
A pesquisa destaca a possibilidade de detectar se a pessoa testada está potencialmente infectada com sífilis ou HIV/AIDS, utilizando um único equipamento digital para isso. Para Leonardo Lima, um dos autores do artigo, essa testagem única tem um impacto importante na saúde pública. “Haverá uma melhor condição para o diagnóstico, uma vez que vai ser possível identificar pacientes potencialmente infectados, utilizando a mesma amostra, e tendo um resultado em, no máximo, 15 minutos. Isso pode ajudar bastante a reduzir a transmissão, por exemplo, dos casos de sífilis e do HIV, e também reduzir os custos e a mortalidade associada”, ressaltou o pesquisador do LAIS.
Contribuições científicas para saúde global
Todos os achados publicados vêm de inovações propostas pelos autores durante toda a pesquisa. Entre as técnicas utilizadas para se chegar aos resultados, foi utilizada a voltametria cíclica (VC), muito versátil na área de química analítica. Nesse método, aplica-se uma voltagem (v) uniforme ascendente em uma amostra previamente depositada em um eletrodo.
Em seguida, a voltagem é reduzida ao valor inicial de maneira reversa, visando produzir reações de oxidação e redução no eletrodo. “Assim, ao medir a corrente (i) gerada no eletrodo em função das características da amostra testada, é possível obter uma curva da corrente medida em relação à voltagem aplicada, i = f(v). Para analisar quantitativamente a resposta obtida pela voltametria cíclica, os métodos tradicionais avaliam a relação entre os picos e os vales da curva”, explicou Ignácio Sánchez-Gendriz, autor do artigo e pesquisador do LAIS.
Sánchez também ressaltou que uma das contribuições do grupo de pesquisa foi a aplicação da voltametria cíclica (VC) em testes laboratoriais para sífilis, conforme demonstrado em trabalhos anteriores. Agora, essa aplicação foi expandida para o diagnóstico de HIV/AIDS. Ainda em termos de inovação, ele ressaltou o uso de descritores de Fourier, uma abordagem matemática que permitiu a caracterização precisa das curvas de VC. Esses descritores, em conjunto com técnicas de aprendizado de máquina, foram empregados para identificar de modo automatizado os pacientes infectados (positivos para sífilis/HIV), em contraste aos sujeitos saudáveis (testes negativos).
As novas técnicas e métricas utilizadas demonstram um alcance de desempenho importante para a detecção de pacientes infectados com sífilis e HIV/AIDS. As métricas de desempenho alcançadas, tanto a acurácia quanto o f1-score, foram de aproximadamente 0.95 para sífilis e de 0.90 para HIV. “Estes resultados demonstram a eficácia e a robustez da metodologia aplicada no diagnóstico de testes positivos para sífilis e HIV, representando uma solução que poderá ser adotada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil”, finalizou o pesquisador.
Fonte: UFRN