Entre os preparativos para uma cirurgia, o mais conhecido é manter o jejum. Mas não comer ou beber por um longo período pode ser mais uma fonte de preocupação e estresse, principalmente quando o paciente é uma criança. Pensando nos impactos negativos do jejum, as especialistas em nutrição clínica materno-infantil Amanda Braga, Ane Gabriele do Carmo e Gabriela da Cunha, do Instituto da Criança e do Adolescente (ICr) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), demonstraram que diminuir o tempo de jejum pré-operatório traz resultados positivos para a saúde física e psicológica de pacientes pediátricos.
O jejum antes das cirurgias é recomendado há bastante tempo como uma forma de evitar complicações respiratórias relacionadas a vômitos e aspiração do conteúdo do estômago. No entanto, com o avanço da ciência e das técnicas de anestesia, a opção na maior parte dos casos é abreviar o tempo de jejum com alimentos que deixam poucos resíduos no sistema digestório – estômago e intestinos, principalmente.
A abreviação de jejum pré-operatório é uma prática que consiste em oferecer líquidos claros sem resíduos e ricos em carboidratos – como gelatina, água de coco ou chás – no intuito de acelerar a recuperação após cirurgias e evitar os efeitos do jejum prolongado, como queda do açúcar no sangue e da pressão arterial, desidratação e irritabilidade. Os líquidos podem ser oferecidos mais de uma vez e até uma hora antes do procedimento cirúrgico
Além disso, a prática pode evitar que o paciente entre em um quadro de catabolismo, quando as reservas do corpo começam a ser degradadas para garantir o seu bom funcionamento, um processo comum ao organismo, mas que pode prejudicar a recuperação.
Muitas crianças submetidas a cirurgias já têm doenças crônicas, que acentuam os processos catabólicos, como o câncer. Ou seja, um jejum prolongado pode colocá-las em uma condição nutricional vulnerável, o que afeta também a recuperação. “Existe o risco de complicações na indução anestésica. O paciente pode ter uma queda de pressão durante a indução anestésica [devido ao jejum] e o procedimento é cancelado”, diz Amanda Braga, destacando os efeitos durante a cirurgia.
Apesar dos benefícios, “nos aprofundando sobre o tema, vimos que existe uma carência tanto na prática da abreviação do jejum, quanto no conhecimento dos seus benefícios ”, conta ela. Entre os obstáculos para a disseminação, está a resistência das equipes dos hospitais e da própria família.
A pesquisa foi produzida como trabalho de conclusão da especialização em nutrição materno-infantil, realizada no ICr. No artigo, publicado na Revista de Cirurgia Pediátrica, as pesquisadoras fazem uma revisão, para trazer uma visão ampla sobre a eficácia e a segurança da abreviação de jejum. “Os estudos permitem que a gente infira que a prática é tão segura quanto necessária para evitar os riscos à saúde”, diz.