Foi durante a pandemia, em agosto do ano passado, que Juliana de Medeiros recebeu o diagnóstico do filho: autismo de grau leve. Passado o susto com a notícia, a pedagoga, servidora do IFRN, começou a pensar no que fazer para ajudar no desenvolvimento do pequeno Heitor, de 7 anos. A primeira decisão foi sair de Santa Cruz, no Trairi potiguar, para a capital. “Em Natal, eu poderia oferecer ao meu filho terapias que não são ofertadas em Santa Cruz. Vi na capital mais e melhores oportunidades de tratamento”, explica.
Mudança feita, começou a busca por uma escola. Em novembro, Juliana fez o primeiro contato com o Colégio Henrique Castriciano, um dos mais tradicionais do Estado. “Na primeira visita, recebi material de divulgação da escola, valores de mensalidades, informações sobre a documentação necessária. De lá para cá, eles entraram em contato comigo pelo menos 3 vezes, convidando-me para a efetivação da matrícula”, conta ela, apresentando inclusive conversas em aplicativos de mensagens com a escola.
Em 25 de novembro, uma das mensagens informava sobre o início do processo de pré-matrícula. Num intervalo de 4 dias em dezembro, o colégio entrou em contato duas vezes para informar sobre uma promoção no valor das matrículas. No dia 20 de janeiro, uma mensagem mais direta perguntava em que a escola poderia ajudar para efetivar a matrícula de Heitor. Já em fevereiro, contactada pela escola, a pedagoga chegou a enviar uma parte da documentação solicitada, e no mesmo dia, marcou um “acolhimento”, uma visita presencial com o filho.
“O ‘acolhimento’ na verdade era uma seleção!”, denuncia Juliana. “Quando a escola soube que meu filho possui autismo nível 1, a vaga automaticamente deixou de existir!”. A mãe diz que a justificativa da escola foi que já tem alunos especiais em todas as turmas – dois com a mesma condição na sala de Heitor. Questionada sobre a legalidade da recusa, a escola disse que definia o quantitativo de alunos com deficiência ou necessidades educativas específicas por sala.
Não é o que diz a Lei Brasileira de Inclusão, de 2015. “A recusa da matrícula pautada na deficiência é crime. A educação é um direito fundamental, e as escolas – públicas e privadas, são obrigadas a atender a esses alunos, inclusive sem cobrança de valores adicionais de qualquer natureza. E não existe nenhuma limitação de alunos com deficiência por sala de aula”, explica o vereador de Natal, Tercio Tinoco, que ofereceu assessoria jurídica para Juliana.
“Meu filho não vai mais estudar lá, mas vou seguir em frente com o caso, para que ele sirva de exemplo e não aconteça nunca mais. Até quando essas crianças serão discriminadas?”, pergunta Juliana, que depois da visita, voltou a entrar em contato com a escola pelo aplicativo de mensagens, comunicando sobre a recusa. A resposta foi uma mensagem automática afirmando que não estavam disponíveis no momento, e responderiam assim que possível, o que ainda não aconteceu, 6 dias depois da recusa.
Juliana conta que chorou durante todo o caminho entre a escola e sua casa. Heitor perguntou o motivo do choro, e ela respondeu, sem dar detalhes, que não tinha mais vaga na escola que ele tinha gostado tanto. E o filho consolou: “não precisa chorar, basta ficar chateada e procurar outra”. “O preconceito dói demais, e quando é com nosso filho, dói dobrado. Se tivesse sido comigo, eu não teria sentido tanto”, lamenta.
A ESCOLA
Procurada pelo gabinete do vereador Tercio Tinoco, a escola divulgou um documento de 7 páginas, no qual cita uma resolução do Conselho Estadual de Educação, publicada em 2016, que regula a prestação de serviços educacionais com atendimento educacional especializado, de modo a considerar a garantia de acesso à educação por parte de alunos com necessidades educacionais específicas, e a preservação da qualidade, da igualdade de nas turmas de ensino. E afirma que hoje atende a 122 alunos com algum tipo de deficiência nos 4 níveis de ensino, da educação infantil ao ensino médio.
A escola confirma que não há mais vagas disponíveis para crianças que demandem serviço especializado, visto que tal aumento traria prejuízos ao aprendizado de todos.