Diferentes tempos das artes plásticas norte-rio-grandenses unidos numa grande costura de arte, literatura e memória. Esse é o percurso proposto na exposição “Moderno…para contemplação dos olhos de hoje”, um projeto inédito envolvendo duas veteranas artistas potiguares, Angela Almeida e Selma Bezerra, em diálogo com modernistas brasileiros e potiguares, sob a curadoria e organização de Manoel Onofre Neto. A exposição estreia neste sábado (6), 10h da manhã, na Pinacoteca do RN e segue até 2 de outubro.
Três salões do espaço cultural recebem as séries pictóricas que dialogam com criações de pintores e poetas do passado. Segundo Manoel Onofre Neto, o título da mostra foi pinçado de um poema modernista local: “Numa estratégica apropriação do título de um poema do modernista potiguar Jorge Fernandes, ‘Moderno…’ (com reticências), a exposição traz essa diversidade e pluralidade que foi o movimento modernista brasileiro”, descreve.
Selma Bezerra apresenta a série “Tarsilianas”, numa inspiração à fase Pau-Brasil de Tarsila do Amaral em que desafia os versos modernistas de Câmara Cascudo (“Não gosto de Sertão verde”) oferecendo ao público paisagens de um sertão colorido. Os trabalhos são o retorno da artista ao figurativo. Angela Almeida, por sua vez, desengaveta a icônica “Vaqueiros em Flores”; ao lado de coloridas mulheres de “Nós como somos”, inspiradas em Clarice Lispector, e da poesia em “Paisagens originárias”, onde constrói versos de principais poetas modernistas potiguares (ou que flertam com o modernismo) por meio de bordados de linha em Algodão cru tingido.
Angela comenta: “Manoel Onofre provocou Selma para que ela saísse do trabalho de abstração e memória, e se inspirasse na Tarsila na fase caipira. A partir das imagens construídas por Selma, ele faz o link ao meu trabalho que já venho desenvolvendo, das mulheres e dos vaqueiros. É como se o trabalho de Selma fosse a base para todo o resto em diálogo ”, comentou Ângela Almeida. Sobre o encontro, Selma Bezerra completa: “É a primeira vez que Ângela está fazendo essa exposição, ela costuma esconder seu trabalho literalmente debaixo do colchão”, brinca. “Eu também retornei ao meu estilo de início, passei muito tempo só fazendo trabalhos abstratos. Então eu faço um figurativo, mas não é ingênuo porque apoio na técnica”, disse.
RARIDADES MODERNISTAS
Dialogando com os recentes trabalhos autorais, a exposição compila obras modernistas que estiveram em momentos marcantes do movimento local: Erasmo Xavier (Caricatura de Mário de Andrade); Dorian Gray Caldas (o abstracionismo de Lunares e a mais famosa delas, O Enforcado), além de duas obras de Newton Navarro, apresentadas na primeira exposição, e Ivon Rodrigues — um raríssimo trabalho cedido pela família de Deífilo Gurgel.
Há ainda um ambiente dedicado a Zila Mamede, reunindo fragmentos bordados de seus poemas e sua coleção de arte particular, com obras de Thomé, Newton Navarro, Nazário e Jussier.
ANÁLISE DO CURADOR: ANGELA ALMEIDA
Profusa e exuberante, Angela Almeida passeia por diferentes suportes, técnicas e paletas, quase sempre saturadas, com texturas e representações simbólicas intrincadas. Sua criação, contemporânea e com remanescência modernista, é concebida em três atos: Em “Paisagens Originárias – Bordados”, a artista toma duas palavras e seus vários sentidos, paisagem como uma experiência de construção por meio do desenho de algo a partir do seu entorno (livros/palavras) e o termo originária, referindo-se ao bordado como técnica milenar e de origem. Os bordados sugerem lampejos de paisagens subjetivas em linhas que podem se mostrar desfeitas, frágeis, mal acabadas, com rupturas e com o cheiro forte do tecido de algodão cru que acolhe poemas de modernistas potiguares.“Vaqueiros em Flores” surge como um pensamento plástico que busca refletir sobre a mitificação do macho, trazendo o homem que pode acolher ambiguidades, contradições, gêneros, desejos e até flores. “Eu como somos” é inspirado na fala de Clarice Lispector ( 1920 – 1977): “Com perdão da palavra, sou um mistério para mim”
SELMA BEZERRA: No influxo das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 22, Selma Bezerra mergulhou na obra de Tarsila do Amaral (1886-1973) e, a partir dela, apropriando-se de referências estéticas da fase pau-brasil da artista, concebeu a série “Tarsilianas”, em que apresenta, de forma elegante e com forte apelo poético, um sertão solar, verdejante e florido, como registrado magistralmente no poema modernista “Não gosto de sertão verde”.
Selma explora as possibilidades estéticas de um sertão pouco revelado, ancorando sua criação em produções literárias dos nossos primeiros modernistas, igualmente homenageados na obra de ngela Almeida, traduzindo-se em uma rara experiência, ao mesmo tempo pictórica e literária, para contemplação dos olhos de hoje, como proclamado na poesia de Jorge Fernandes.
*SERVIÇO:*
“Moderno…para contemplação dos olhos de hoje”
Abertura: Sábado (6), 10h, na Pinacoteca do RN | Encerramento: 2 de outubro. Acesso gratuito. Obras de Angela Almeida e Selma Bezerra, com a curadoria e organização de Manoel Onofre Neto | obras de Navarro, Dorian Gray, Ivon Rodrigues e Erasmo Xavier | obras da coleção particular de Zila Mamede
Projeto Artístico e Expografia: André Barros. Montagem: Valderedo Nunes.