Hospital Universitário da USP coordenará validação de novos critérios para sepse em crianças

Uma das principais causas de morte no mundo em pessoas hospitalizadas é a sepse, uma resposta exagerada do corpo a uma infecção. O quadro pode evoluir para o choque séptico, quando a oferta de oxigênio é insuficiente para o funcionamento normal dos órgãos. 

Geralmente a doença é incorretamente descrita como “infecção generalizada” e ainda é um problema de saúde pública pouco conhecido. Os sintomas podem ser muito parecidos com o de outras condições, o que dificulta o diagnóstico. Isso agrava a situação, que quanto mais rápido o socorro mais fácil é de ser controlada. 

Uma das iniciativas para facilitar a identificação correta dos casos e reduzir o impacto da sepse na população pediátrica, uma publicação no Journal of the American Medical Association (Jama) definiu novos critérios para o diagnóstico da sepse em pacientes com até 18 anos. A doença em crianças e adolescentes tem particularidades que pedem diagnóstico diferente dos adultos. 

As conclusões do estudo sugerem critérios diagnósticos mais específicos e que poderão ser utilizados até mesmo em regiões com recursos limitados, onde a doença é mais frequente. Além disso, o controle maior sobre a classificação de cada caso cria um obstáculo para que antibióticos sejam utilizados de forma indiscriminada, o que contribui para a proliferação de bactérias super-resistentes.

Segundo a médica Daniela Carla de Souza, pesquisadora do Hospital Universitário (HU) da USP que participou do trabalho, a definição adotada até então era baseada apenas na opinião de alguns especialistas que se reuniram em 2005. Para essa atualização, a Society of Critical Care Medicine (SCCM) reuniu especialistas de 12 países e seis continentes, que primaram pela simplicidade.  “Dessa vez, foi usada uma metodologia bastante robusta, envolveu um grupo diverso de especialistas em termos de gênero, especialidade e região geográfica, incluiu dados de países de alta e baixa e média renda e usou técnicas de machine learning, o que permitiu a análise de dados de mais de 3 milhões de pacientes admitidos nas unidades hospitalares.” O aprendizado de máquina (machine learning) é uma técnica de inteligência artificial capaz de analisar enormes quantidades de informações.

Para facilitar a adoção dos critérios no Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria publicou um resumo com os novos critérios para identificação da sepse, disponível para médicos associados. Essas diretrizes devem ser incorporadas mundialmente nos serviços de saúde, nas pesquisas científicas e nos serviços de controle de qualidade. Apesar das mudanças, os novos critérios não alteram o código de classificação (CID) da sepse e do choque séptico.

Agora, os critérios serão testados em centenas de UTIs da América Latina em estudo coordenado pelo Hospital Universitário (HU) da USP e pelo Instituto Latino Americano de Sepse (Ilas).

Diferente dos adultos, a pressão baixa em crianças é um sinal de que a doença está muito avançada. Sendo assim, a sepse em crianças pode ser mais difícil de detectar. “A sepse é decorrente da interação entre o agente infectante, o hospedeiro e o meio que o paciente vive. A criança muito nova ainda não tem todo o seu sistema de defesa completamente ativo. O coração funciona um pouco diferente do adulto frente a uma infecção”, resume a médica. Os novos critérios são baseados em uma pontuação que leva em consideração sinais respiratórios, cardíacos, de coagulação e neurológicos.

Além disso, a identificação da sepse pediátrica inclui uma variedade de sinais vitais diferente da doença quando acomete adultos, em que pesa a imaturidade do sistema imunológico e as comorbidades, que são outras. Nas fases iniciais, a criança pode apresentar febre ou baixas temperaturas, sensação de palpitação, respiração rápida e ofegante, palidez, mãos e pés frios, redução da quantidade de urina eliminada, alteração do comportamento e fraqueza.

A doença é mais comum em países de baixa e média renda — mais de 85% dos casos e óbitos. Sobre isso, a especialista esclarece ao Jornal da USP os fatores que podem favorecer a ocorrência de sepse: a falta de conhecimento sobre a doença, a falta de saneamento básico, a falta de higiene, a desnutrição, a baixa taxa de cobertura vacinal e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde. “Em um país com limitação de recursos, demora muito mais para um paciente conseguir chegar ao hospital, ser atendido e o diagnóstico ser feito do que num país com mais recursos”.

A rapidez é importante, especialmente nesse grupo que ainda tem toda uma vida pela frente, porque a sepse é uma doença tempo-sensível, assim como o AVC e o infarto. Isso significa que o paciente tem mais chances de se curar e ficar sem sequelas se o socorro for rápido e adequado. No mundo, metade dos casos da doença atingem crianças e adolescentes, embora a mortalidade em adultos seja maior. 

Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/hospital-universitario-da-usp-coordenara-teste-de-novos-criterios-para-sepse-doenca-prioritaria-da-saude-publica-global/