Os dados preocupantes que apontam para o extermínio da população jovem e negra de Natal nortearam a audiência pública realizada nesta terça-feira (23) na Câmara Municipal. O debate foi uma proposição do mandato do vereador Pedro Gorki (PCdoB) e da Frente Parlamentar da Juventude da CMN e contou com a participação de diversos movimentos sociais, movimentos que defendem os direitos da população negra, Ministério Público Estadual (MPRN), UFRN, gestores das secretarias Municipal da Igualdade Racial e da Estadual da Juventude, conselheiros tutelares, professores e estudantes.
O vereador destacou que um jovem negro tem 5,3 vezes mais chances de ser assassinado na capital potiguar do que um jovem de pele clara e, por isso, a responsabilidade para mudar essa realidade precisa ser coletiva. “O sentido dessa audiência é muito maior do que discutir essa situação, mas os caminhos que podemos seguir sobre essa discussão. Que cada sugestão alimente a formação de um grupo de trabalho para atuar sobre o problema do genocídio da juventude em Natal, trazendo um diagnóstico, dados e propostas incluindo entidades diferentes”, propôs o parlamentar. As vereadoras Divaneide Basílio (PT) e Brisa Bracchi (PT) também debateram o assunto.
De acordo com o professor Jarvis Campos, da Rede e Instituto Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (OBVIO/UFRN), entre 2011 e 2021, mais de 90% dos jovens assassinados na capital eram negros. “Fizemos esse recorte em Natal, mas a realidade é a mesma do estado. Os negros são o maior alvo dos crimes violentos letais intencionais e existe uma segregação muito forte por áreas da cidade. Isso reflete a desigualdade porque são jovens de áreas de maior vulnerabilidade localizadas nas regiões Norte e Oeste. Esses dados do OBVIO ajudam a subsidiar políticas de segurança pública de modo geral”, contou o professor.
Um desses casos é o do jovem Geovane Gabriel, um negro de 18 anos que morava no bairro Guarapes e foi executado em junho de 2020 por policiais militares quando ia de bicicleta visitar a namorada em Parnamirim. A vítima foi morta por engano, já que os policiais buscavam outro jovem negro acusado de roubo. A mãe de Gabriel, Priscila Souza, participou da audiência e disse que luta por justiça e para que outras famílias não passem pelo mesmo drama. “Continuo revoltada com o que acontece nesse país com o jovem, especialmente negro. Meu filho foi uma dessas vítimas. Ainda vivo em estado de choque, me sinto impotente, mas luto por justiça e clamo para que não aconteça com outros jovens inocentes”, declarou.
A mudança dessa realidade pode estar na execução de mais políticas afirmativas, segundo a promotora de justiça da Cidadania, Danielle Veras. Ela disse que a cultura tem abraçado mais fortemente essas políticas que precisam se estender para todas as áreas. “Precisamos de mais políticas no sentido da afirmação para desconstrução do racismo institucional não apenas na cultura, mas em todas as áreas. O Ministério Público está à disposição para trabalhar na indução e acompanhamento das políticas públicas para descontruir e mudar a realidade desses números” destacou a promotora.
Alguns jovens fizeram pronunciamentos relatando situações que vivenciam. Um deles foi o vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Roberth Gois, que emocionou ao relatar sobre o racismo institucional que sofre desde a infância. “É muito mais duro pra gente, que é negro, chegar à universidade, permanecer na escola. Não só pelo racismo, mas também pela falta de identidade. O sistema nos mata e nos oprime. Não sabemos se vamos ser violentados no ônibus, na calçada, na parada, na rua…nem se voltaremos sem ser atingidos por bala perdida, sequestrados e mortos pela polícia, ou preso com a única explicação possível de ser negro. Não me arrependo de ter nascido negro, carregar minhas raízes e dizer que vidas negras importam e a gente luta e precisa viver”, declarou o estudante.