No Jornal Nacional, Lula admite erros do governo Dilma e corrupção na Petrobras, mas critica métodos “políticos” da Lava Jato

Em sabatina no Jornal Nacional, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dirigiu nesta quinta-feira (25/08) críticas a Jair Bolsonaro, a quem chamou de “bobo da corte”, admitiu erros do governo Dilma Rousseff e casos de corrupção na Petrobras, repreendeu a atuação “política” da Lava Jato e apostou no recall do eleitorado em relação às realizações do seu governo.

No momento, o social-democrata Lula é o favorito para vencer as eleições presidenciais de outubro, com 47% das intenções de voto totais, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada em 18 de agosto. O presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PL) aparece em segundo lugar, com 32%. Esta é a sexta vez que Lula disputa a Presidência.

Lula foi o terceiro candidato entrevistado pelos apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos. Na segunda-feira, o JN ouviu Bolsonaro, que repetiu mentiras sobre o sistema eleitoral e a pandemia. No dia seguinte, foi a vez de Ciro Gomes (PDT), que criticou tanto Lula quanto Bolsonaro e apresentou propostas para a economia. Simone Tebet (MDB) será a última a participar, nesta sexta-feira.

Corrupção
Na primeira série de perguntas de Bonner, Lula foi questionado sobre casos de corrupção na Petrobras. O ex-presidente admitiu que ocorreram desvios na petrolífera, mas afirmou que a descoberta só foi possível graças aos mecanismos de combate à corrupção que foram implementados durante o seu mandato.

Lula ainda criticou sistematicamente a forma como a operação Lava Jato usou esses instrumentos, apontando que seus membros enveredaram por “um caminho político delicado” e que a operação, com seus métodos, acabou “premiando” delatores com dinheiro desviado.

“Você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram. O que é mais grave é que as pessoas confessaram, e por conta de as pessoas confessarem ficaram ricas por conta de confessar. Ou seja, foi uma espécie de uma delação premiada: você não só ganhava a liberdade por falar o que queria o Ministério Público, como você ganhava metade do que você roubou. Ou seja, o roubo foi oficializado pelo Ministério Público”, disse Lula, que provavelmente se referia a casos como o do doleiro Dario Messer, cujo acordo de delação previa que ele ficasse com R$ 3 milhões e um apartamento no bairro carioca do Leblon.

“Olha, se alguém comete um erro, alguém comete um delito, investiga-se, apura, julga, condena ou absolve, e está resolvido o problema. O que foi o equívoco da Lava Jato? É que a Lava Jato enveredou por um caminho político delicado. A Lava Jato ultrapassou o limite da investigação e entrou no limite da política. O objetivo era o Lula. O objetivo era tentar condenar o Lula”, afirmou o ex-presidente.

Quando questionado sobre os recursos desviados da Petrobras que foram recuperados, Lula novamente criticou a postura da Lava Jato, lembrando que os procuradores pretendiam usar parte do dinheiro para criar e controlar uma fundação sem previsão na lei, que acabou sendo barrada. “Que ótimo que [o dinheiro] voltou. O Ministério Público queria pegar R$ 2,5 bilhões para eles.”

O candidato também elencou uma série de medidas de combate à corrupção que foram colocadas em prática durante o seu governo.

“Primeiro, a corrupção, ela só aparece quando você permite que ela seja investigada. Foi no meu governo que a gente criou o Portal da Transparência, que a gente colocou a CGU para fiscalizar, que a gente criou a lei de Acesso à Informação, a gente criou a lei anticorrupção, a lei contra o crime organizado, a lei contra a lavagem de dinheiro. (…) Ou seja, foram todas medidas tomadas no meu governo”, disse Lula.

Lula, no entanto, foi mais vago sobre quais instrumentos e práticas pretende colocar em prática para impedir novos episódios como o “Petrolão” caso seja eleito, apostando mais em recordar sua postura durante o governo.

“Veja, eu poderia ter escolhido um procurador engavetador. Sabe aquele amigo que você escolhe que nenhum processo vai para frente? Eu poderia ter feito isso; não fiz, eu escolhi da lista tríplice. Eu poderia ter impedido que a PF tivesse um delegado que eu pudesse controlá-lo; não fiz”, disse Lula.

Por fim, Lula usou exemplos de outros países que tiveram que lidar com casos de práticas ilegais de grandes empresas – como ocorreu com a Volkswagen na Alemanha no Dieselgate – para ilustrar a sua visão de como combater a corrupção empresarial-política, sem quebrar as empresas envolvidas. “Você pode fazer investigação com a maior seriedade, como foi feito na Coreia, na Samsung, como foi feito na França, na Alstom, como foi feito na Volkswagen, na Alemanha. Você investiga, se o empresário roubou, você prende, condena, mas você permite que a empresa continue funcionando. Aqui no Brasil se quebrou as indústrias de engenharia que nós levamos quase um século para construir.”

“Bobo da corte”
Ao falar sobre como o Executivo lidará com o Congresso, Lula afirmou que Bolsonaro é refém do Congresso e “manda nada” no país. “O Bolsonaro não manda nada. O Bolsonaro é refém do Congresso Nacional. O Bolsonaro sequer cuida do orçamento. O orçamento quem cuida é o Lira (Artur Lira, o presidente da Câmara). Ele que libera a verba. O ministro liga para ele, não liga para o presidente da República. Isso nunca aconteceu desde a Proclamação da República”, disse Lula.

Lula também criticou o “orçamento secreto”, o mecanismo de liberação de verbas parlamentares sem qualquer transparência e controle externo, que é controlado pela cúpula do Congresso com o aval de Bolsonaro. O petista chamou o instrumento de “excrescência” e de um “escárnio”, sugerindo ainda que ele é pior que o Mensalão. “Não é moeda de troca. É usurpação do poder”, disse. “Você acha que o Mensalão, que tanto se falou, é mais grave do que o orçamento secreto?”, disse Lula aos apresentadores.

Economia e Dilma Rousseff
Lula foi vago sobre seus planos para recuperar a economia brasileira, abalada por anos de crescimento pífio ou negativo. O ex-presidente preferiu mencionar as realizações do seu governo na área, apostando na memória do eleitorado e disse que o Brasil precisa de “credibilidade”, “previsibilidade” e “estabilidade”.

“Quando eu tomei posse em 2003, o Brasil tinha 10,5% de inflação, o Brasil tinha 12% de desemprego, o Brasil devia 30 bilhões ao FMI. Nós tínhamos uma dívida pública de 60,4%. O que que nós fizemos? Primeiro, nós reduzimos a inflação para a meta, sabe, que era 4,5 durante todo o período de governo. Segundo, nós reduzimos a dívida pública de 60,4% para 39%. Nós fizemos uma reserva de 370 bilhões de dólares, e nós ainda emprestamos 15 bilhões para o FMI”, disse Lula. “Além do que, nós fizemos a maior política de inclusão social que a história deste país conheceu. É assim que nós vamos governar este país.”

O apresentador Bonner então perguntou sobre os dados negativos da economia no governo da petista Dilma Rousseff, a sucessora de Lula, que registrou desequilíbrio das contas e queda no crescimento, especialmente a partir de 2014. Lula reconheceu que Dilma cometeu erros na economia, mas defendeu sua antiga apadrinhada política, apontando o papel dos adversários da ex-presidente.

“Eu acho que a Dilma cometeu o equívoco na questão da gasolina, ela sabe que eu penso isso. Eu acho que cometeram equívoco na hora que fizeram R$ 540 bilhões de desoneração, isenção fiscal de 2011 a 2040. E eu acho que, quando ela tentou mudar, ela tinha uma dupla dinâmica contra ela: Eduardo [Cunha], sabe, o presidente da Câmara, e o Aécio [Neves], no Senado, que trabalharam o tempo inteiro para que ela não pudesse fazer nenhuma mudança”, afirmou Lula.

Elogios a Alckmin
Ao longo da sabatina, Lula mencionou diversas vezes o nome do seu vice, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), um nome que a campanha de Lula espera usar para conquistar apoios em setores mais conservadores e o empresariado.

“Nunca antes na história do Brasil esse governo teve uma chapa como Lula e Alckmin para poder ganhar credibilidade interna e externa para fazer acontecer as coisas no Brasil”, disse Lula, recuperando um de seus antigos bordões.

Questionado sobre o descontentamento de parte da base petista com a escolha do conservador Alckmin como vice, Lula refutou essa ideia. “O Alckmin já foi aceito pelo PT, de corpo e alma. Sabe? O Alckmin é uma pessoa que vai me ajudar. Eu tenho 100% de confiança que a experiência dele como governador de São Paulo e, depois mais seis anos como vice do Mário Covas vai me ajudar a consertar esse país.”

A última entrevista que Lula concedeu enquanto candidato ao Jornal Nacional foi na eleição presidencial de 2006, quando seu principal adversário na disputa era justamente o ex-tucano Geraldo Alckmin, que acabou derrotado pelo petista.

Polarização
Questionado pelos apresentadores se o PT e sua militância teriam uma parcela de responsabilidade pelo atual cenário de polarização agressiva na política, Lula disse que considera polarização diferente de estímulo ao ódio.

“Feliz eram o Brasil e a democracia brasileira quando a polarização deste país era entre PT e PSDB. A gente era adversário político, trocava farpas… Quando a gente se encontrava em um restaurante, eu não tinha problema em tomar uma cerveja com o FHC, com o José Serra ou com o Alckmin. A gente não se tratava como inimigo. A militância é como torcida organizada. Política é assim. Você tem divergência programática, você briga, mas você não é inimigo”, disse.

“Polarização é saudável no mundo inteiro. Tem nos EUA, na Alemanha, na França, na Noruega, na Finlândia… Não tem polarização no Partido Comunista Chinês, no Partido Comunista Cubano. Quando se tem democracia, a polarização é saudável. É estimulante. Não podemos confundir polarização com o estímulo ao ódio”, completou o petista.

Agronegócio, meio ambiente, MST
“Eu queria que você trouxesse aqui o mais reacionário representante do agronegócio, e perguntasse para ele o que o Bolsonaro fez para ele que chegou perto daquilo que nós fizemos. Eu queria que você chamasse. Sabe por quê? Porque não tem nenhum governo que tratou o agronegócio como nós tratamos”, disse Lula quando a sabatina entrou no tema do agronegócio.

Questionado então por que parte do setor manifesta preferência por Bolsonaro e oposição ao PT, Lula disse que isso se explica por causa da política de “defesa da Amazônia”, “do Pantanal”. “Ou seja, a nossa luta contra o desmatamento faz com que eles sejam contra nós”, disse Lula, embora seu governo tenha sido alvo de críticas de ambientalistas por causa dos incentivos à construção de hidrelétricas na Amazônia.

Lula ainda foi questionado pela coapresentadora Renata Vasconcellos sobre um hipotético papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no governo caso ele seja eleito. Nos últimos anos, o MST se afastou da imagem de invasão ou ocupação de terras, apostando na produção dos assentamentos. “O MST, hoje, tem várias cooperativas e o MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Você tem que visitar uma cooperativa do MST, Renata. Você vai ver que aquele MST de 30 anos atrás não existe mais!”, disse Lula.

Política externa, alternância
Ao final da sabatina, Lula foi questionado sobre a postura amistosa do PT em relação a algumas ditaduras ou governos autoritários da América Latina. No ano passado, por exemplo, Lula foi criticado por relativizar o governo autoritário do líder da Nicarágua, Daniel Ortega, em relação à ex-chanceler federal alemã, Angela Merkel, ao apontar que ambos estavam há mais de uma década no poder.

Lula abordou o tema citando a “autodeterminação dos povos”. “Cada país cuida do seu nariz. É assim que eu quero para o Brasil, é assim que eu quero para os outros”, disse Lula.

O ex-presidente, por outro lado, apontou que favorece a alternância no poder. “Quando o cara começa a pensar que é imprescindível, insubstituível, ele está virando um ditador. Eu tinha 87% de aprovação quando um deputado do PT resolveu propor uma emenda no Congresso Nacional por terceiro mandato e eu não quis. Eu sou favorável à rotação do poder. A alternância de poder é uma coisa importante”, finalizou Lula.

O tema da política externa não teve muito espaço na sabatina, mas Lula afirmou que tem confiança, caso seja eleito, de que a imagem do país no exterior, que foi bastante arranhada sob Bolsonaro, vai melhorar.

“Se eu ganhar as eleições, você vai ver a enxurrada de amigos que estão desaparecidos que vão vir visitar o Brasil, porque o Brasil vai ser amigo de todo mundo. O Brasil não tem contencioso internacional”, disse Lula.

Fonte: DW Brasil