Perturbações cerebrais na infância podem levar a transtornos psiquiátricos na vida adulta

Os primeiros anos de vida são cruciais para o desenvolvimento adequado e a maturação do cérebro. Perturbações cerebrais nessa fase, como lesões, infecções, estresse ou desnutrição, podem afetar profundamente a função cerebral e o comportamento por toda a vida. Crises convulsivas são as ocorrências neurológicas mais comuns nessa idade e constituem fatores de risco significativos para a incidência de distúrbios do neurodesenvolvimento, como autismo, transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e deficiência intelectual, bem como de esquizofrenia e epilepsia.

Estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP com apoio da Fapesp investigou a neurobiologia dos efeitos comportamentais decorrentes de crises convulsivas na infância, utilizando roedores como modelo animal.

Liderado pelo pesquisador Rafael Naime Ruggiero, sob supervisão do professor João Pereira Leite, o estudo contou com a colaboração de cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E foi publicado no periódico eLife.

Além da neuroinflamação, os pesquisadores observaram uma relação inesperada entre a neuroplasticidade (isto é, a capacidade de o cérebro se modificar) e a cognição. “Embora contássemos com essa relação, verificamos que o fortalecimento das conexões neurais decorrentes das crises na infância é ainda mais exagerado do que supúnhamos, sugerindo um nível alto de neuroplasticidade. Vale ressaltar que tanto pouca quanto muita plasticidade levam a prejuízos cognitivos. Além de déficits de atenção e memória, essa facilidade em fortalecer conexões neurais pode explicar o maior risco de que indivíduos que sofreram convulsões na infância desenvolvam epilepsia na idade adulta”, informa Ruggiero.

Outra descoberta bastante intrigante foi a de que, em indivíduos que sofreram crises na infância, a atividade cerebral em estado ativo de vigília apresenta uma semelhança acima da esperada com a atividade cerebral durante o sono REM [sigla decorrente da expressão em língua inglesa rapid eye movement, ou movimento rápido dos olhos]. “Como o sono REM é o estágio em que ocorrem os sonhos mais vívidos, essa semelhança poderia explicar processamentos sensoriais atípicos, que ocorrem especialmente na esquizofrenia”, afirma Danilo Benette Marques, coautor do artigo. Ele e colaboradores associam essa condição a um excesso de dopamina.

Ruggiero acrescenta que, similarmente ao que ocorre na clínica, roedores expostos a convulsões nos primeiros dias de vida apresentaram uma série de alterações comportamentais na vida adulta. “O que mais nos intrigou foi que, tanto em humanos quanto em roedores, as crises no início da infância não causam morte neuronal. Por isso, nossa hipótese foi a de que o funcionamento de redes neuronais poderia ter sido afetado. É importante destacar que, nos transtornos psiquiátricos, a perda neuronal não é uma característica proeminente. Acreditamos que alterações no funcionamento de redes neurais específicas possam ser identificadas em diferentes transtornos mentais e sejam responsáveis por um conjunto comum de sintomas”, diz.

Os pesquisadores examinaram as alterações comportamentais em roedores por meio de uma série de testes. Dentre as mudanças mais marcantes, descobriram que os animais afetados apresentavam hiperlocomoção, ou seja, uma agitação espontânea persistente, e dificuldades no filtro sensório-motor. Esse filtro é responsável pela capacidade de o cérebro filtrar informações sensoriais e respostas motoras de forma eficaz, distinguindo estímulos relevantes e irrelevantes em ambientes conturbados e regulando respostas exageradas. No tratamento da esquizofrenia, medicamentos antipsicóticos são utilizados para reduzir esses comportamentos.

Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/perturbacoes-cerebrais-na-infancia-podem-levar-a-transtornos-psiquiatricos-na-vida-adulta/

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