Um estudo preliminar do Ipea mostra que a população em situação de rua no Brasil cresceu muito na última década. “Em situação de rua” chamamos todas aquelas pessoas, famílias ou comunidades sem moradia estável, segura, permanente e apropriada, ou sem a perspectiva imediata de meios e capacidade de adquiri-la. De 2012 a 2022, o crescimento foi de 211%, uma magnitude nunca vista antes.
Estes números podem ser maiores e mais impactantes visto que a pesquisa com essa população é complexa e pode apresentar falhas. São muitos os desafios para que se possa fazer um censo. Pesquisadores se deparam com moradores em barracas, pessoas consumindo e traficando drogas, alcoolizadas ou perturbadas, pessoas que dormem em lugres de difícil acesso ou que não param em um ponto fixo. Apesar disso, conhecer essa população é essencial para que elas não fiquem invisibilizadas socialmente, e que por conta disso fiquem de fora das políticas públicas.
Essa é uma realidade dos grandes centros que se arrasta há décadas. O início do problema remonta ao processo de urbanização e se intensificou após a primeira metade do século XX. Colaborou ainda o êxodo rural e o processo migratório, ambos impulsionados pelo crescimento industrial.
62% no Sudeste
Segundo o relatório “População em situação de rua de 2023”, elaborado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, dos 5.568 municípios brasileiros, 3.354 (ou 64% do total) possuem pelo menos uma pessoa em situação de rua. Os números mostram que 62% dessa população está na Região Sudeste.
Entre os estados, São Paulo concentra a maior população, com mais de 95 mil pessoas (40% do total), sendo a maior parte na capital. Em termos percentuais, o primeiro da lista é o Distrito Federal, com quase 3 pessoas a cada mil habitantes. E num país onde o racismo ainda é uma prática comum, e que as oportunidades não são oferecidas na mesma proporção para pessoas negras e brancas, não surpreende que o perfil das pessoas em situação de rua seja: majoritariamente do sexo masculino (87%), adultas (55% têm entre 30 e 49 anos) e negras (68%, sendo 51% pardas e 17% pretas).
Saúde mental é consequência, não a causa
Durante décadas, a população de rua era vista como sendo formada por mendigos, alcoólatras, preguiçosos, portadores de alguma doença mental, etc. Essas falas serviram como “combustível” de preconceitos e medo, e uma desculpa para o descaso e a não resolução deste problema.
Estudos mostram que existe uma alta incidência de problemas de saúde mental e uso de drogas (legais e ilegais) pela população em situação de rua, mas que em muitos casos é consequência e não causa de se estar na rua. E foi por acreditar que os “vícios” precedem o morar na rua, que a maioria das abordagens para resolução do problema sempre pensaram no “tratamento antes da moradia”. Ou seja, espera-se que a pessoa em situação de rua comece um tratamento de saúde, participe de capacitações, procure trabalho etc, sem dar-lhe a certeza de um abrigo ao final do dia.
A existência de pessoas com problemas de saúde e dependência química entre a população em situação de rua faz com que imaginemos que eles não se encaixam na sociedade, e que não possuem a noção exata da vida em comunidade. Por isso, elas escolheriam as calçadas, praças, viadutos etc., como lar. Para o “senso comum”, viver na rua é uma opção! E foi assim, com uma visão equivocada sobre esse grupo, que fomos naturalizando a existência de pessoas em situação de rua.
Não existe uma pessoa “típica” vivendo nas ruas, a população é incrivelmente diversificada. Hoje vemos famílias inteiras nas ruas (inclusive com crianças de colo), pessoas com doenças mentais, imigrantes, refugiados, jovens, etc. Não há um padrão! Essas pessoas (e famílias) não têm muito em comum entre si, além de serem extremamente vulneráveis e carecerem de moradia, renda adequada e dos apoios necessários para garantir sua permanência num lar.
A linha entre estar em situação de rua e ter um teto para morar tem ficado cada dia mais tênue. Em geral, os caminhos que têm levado pessoas para esta situação não são lineares, nem uniformes. As causas da falta de moradia refletem uma interação complexa entre fatores estruturais, falhas de sistemas e circunstâncias individuais. Viver nas ruas é geralmente o resultado do impacto cumulativo de vários fatores.
Fonte: Revista GALILEU