Imagine contrair uma micose que, a princípio, se mostra de menor importância, mas se espalha por várias partes do corpo em lesões extensas, ardidas e inflamadas. E que após meses de tratamento com diferentes medicamentos, continua voltando. Nos últimos dez anos, um fungo que causa uma micose assim, difícil de tratar, levou a grandes surtos de infecções graves em todo o mundo. No Brasil, o microrganismo foi identificado pela primeira vez em 2023 em um brasileiro após retornar de viagem para Londres, Inglaterra.
“Até então, a gente não tinha isolado esse fungo no Brasil. O Trichophyton indotineae causa uma infecção cutânea e é resistente ao tratamento convencional, o ‘padrão ouro’, que é a terbinafina”, explica Gil Benard, coordenador do Laboratório de Micologia Médica do Instituto de Medicina Tropical (IMT)/Departamento de Dermatologia da USP. O grupo publicou recentemente a descoberta em artigo na revista Anais Brasileiros de Dermatologia.
É provável que os poucos casos relatados até o momento na América do Sul se devam principalmente à identificação incorreta e subnotificação. “É necessário o sequenciamento genético e a identificação do gene de resistência. Se você olhar só no microscópio, pode verificar apenas que é um dermatófito [fungo que infecta a pele], mas não saberá a espécie”, diz Gil Benard.
O caso desse paciente chamou atenção dos profissionais da Santa Casa de São Paulo que o receberam. Liderados pelo dermatologista John Verrinder Veasey, coordenador da Disciplina de Dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e primeiro autor do trabalho, eles contataram o laboratório de Micologia do IMT e enviaram uma amostra, para auxiliar no diagnóstico, explica Benard. O artigo relata que foi realizado tratamento com diferentes medicamentos e a infecção sempre acabava retornando. Ao final, após o diagnóstico mais preciso, o paciente recebeu outro medicamento, e chegou a ter nova recidiva, mas depois acabou respondendo ao tratamento.