Durante 337 dias, entre 20 de maio de 2020 e 22 de abril de 2021, o Ministério da Saúde manteve no ar, contra evidências científicas e pedido formal do Conselho Nacional de Saúde, recomendação para uso de cloroquina em casos leves, moderados e graves de Covid-19. O documento foi apagado no portal do ministério às vésperas da instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid no Senado.
O sumiço da recomendação ao uso de cloroquina ocorreu depois de uma reunião na Casa Civil da Presidência e de uma lista de 23 questões sobre o enfrentamento da pandemia a que os ministérios deveriam responder. Um dos itens da lista era “o governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas”, como revelou o jornalista Rubens Valente, colunista do Uol. A lista foi encaminhada ao Ministério da Saúde no dia 21. No dia seguinte, não estava mais visível no site do ministério a nota informativa no 17/2020, de 30 de julho de 2020.
Com o título “Orientações do Ministério da Saúde para o manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19”, o documento amplia a orientação de prescrição de difosfato de cloroquina e de sulfato de hidroxicloroquina para pacientes grávidas. A nota, de 40 páginas, afirma levar em consideração “a larga experiência” do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento de outras doenças infecciosas e de doenças crônicas do SUS e a “inexistência, até o momento, de outro tratamento eficaz disponível para a Covid-19”. A administração da cloroquina deveria ser combinada com a do antibiótico azitromicina desde a apresentação de sintomas leves pelos pacientes, recomendava o documento.
A nota informativa no 17 substituiu outras duas, de números 9 e 11, editadas em 20 de maio e 17 de junho de 2020, e que também continham orientações semelhantes para o uso de cloroquina. Desde a primeira versão, as notas são acompanhadas por termos de consentimento a serem assinados pelos pacientes. Eles deveriam concordar com o uso dos medicamentos sabendo não haver garantia de resultados positivos contra a Covid-19 e dos riscos de efeitos colaterais. As notas foram editadas entre a demissão do então ministro Nelson Teich, no dia 15 de maio, e a posse do general Eduardo Pazuello, em 16 de setembro, período em que Pazuello respondeu interinamente pelo comando do Ministério da Saúde.
Antes mesmo da edição da primeira nota, o Ministério da Defesa já havia comprado 600 kg de pó de cloroquina, atestam registros no Tesouro Nacional. A compra foi feita por meio da Sulminas, uma empresa instalada em conjunto habitacional no município de Campanha, em Minas Gerais, que importou o insumo da Índia. Entre março e agosto, com as recomendações para o uso da cloroquina já divulgadas, o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército havia fabricado 3 milhões de comprimidos.
Fonte: Revista Piauí / Folha de S.P