“Vale Tudo” de Novo: O Remake Entre a Ousadia e a Nostalgia

A Globo, em seus 60 anos, resolveu mexer no vespeiro. Trouxe de volta Vale Tudo, a novela que, em 1988, escancarou as vísceras da ambição brasileira. O remake estreou cercado de desconfiança — justa, diga-se. Revisitar um clássico é como reescrever um poema consagrado: ou se supera, ou se fracassa miseravelmente. E, surpreendentemente, essa nova versão, nas mãos de Manuela Dias, não só respeita o original como o reinventa com certa elegância. Taís Araújo, no papel de Raquel, rouba a cena com uma interpretação que mistura dor e dignidade, superando até Regina Duarte. Já Bella Campos, como Maria de Fátima, ainda patina no melodrama, mas tem potencial para crescer como a vilã que o Brasil precisa odiar.  (Ah se eu pudesse. Assistiria cada capítulo). 

Já no primeiro capítulo.  A trama se apresenta e mantém o cerne podre da original: a ganância como motor da vida. Maria de Fátima, filha ingrata, vende a casa da família e foge para o Rio, deixando a mãe no abandono. É o mesmo enredo, mas com smartphones e influencers. A questão é: será que essa história ainda ecoa num Brasil tão diferente do dos anos 80? Na época, o país vivia a euforia pós-ditadura e o choque do capitalismo selvagem. Hoje, a ambição virou norma, não exceção. O remake acerta ao não romantizar a pobreza, mas falha ao ainda achar que a ascensão social é um drama, e não um algoritmo de Instagram.  

A direção de Paulo Silvestrini tenta equilibrar o tom entre o clássico e o contemporâneo. As cores frias de Maria de Fátima contrastam com os dourados de Raquel — um visual que, embora bonito, cheira a pretensão de “arte”. As Cataratas do Iguaçu viram pano de fundo de propaganda turística, e não cenário dramático. Mas o ritmo é ágil, sem enrolação. E isso é um alívio numa TV que ainda acha que novela precisa ter 200 capítulos.  

O grande teste, porém, virá com Odete Roitman. Beatriz Segall criou uma das maiores vilãs da história da TV. Quem quer que a substitua terá que enfrentar comparações brutais. Por enquanto, a ausência de Odete deixa um vazio — como um jantar sem tempero. O remake parece hesitar entre homenagear o passado e criar algo novo. E essa indecisão pode custar caro.  

No fim, a estreia de “Vale Tudo” é como um bom primeiro encontro: promete, mas não garante nada. Tem talento e muitos, tem técnica, mas será que tem alma pra segurar o público até o fim? A Globo apostou no seguro, evitando escândalos e inovações radicais. Resta saber se o público, hoje viciado em streaming e séries de oito episódios, ainda tem paciência para uma trama que, no fundo, repete o que já sabemos: no Brasil, tudo vale — até refazer o que já foi feito.  

A novela das novelas está de volta. Mas, desta vez, o desafio não é chocar. É convencer. Confesso e repito. Gostei do que vi. Só não poderei acompanhar uma novela e penso que minha impossibilidade seja de muitos. Ou por falta de tempo ou por falta de costume mesmo. Enfim, o mundo mudou e a novela precisa mudar ainda mais.